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    Todos os Mortos
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Todos os Mortos

    Quem são os fantasmas?

    por Barbara Demerov

    O primeiro trabalho de co-direção entre Marco DutraCaetano Gotardo é um retrato de traumas não superados em nosso país, que simboliza muito daquilo que ainda é possível ser observado nos dias de hoje: a vontade de alguns em enterrar o passado, o racismo entrelaçado em comentários que só são considerados elogios por aqueles que não vêem o cenário completo e a limitação de pensamentos com relação ao futuro. Evolução e congelamento, retração e expansão. Estes são os contrastes que ditam o tom da narrativa de Todos os Mortos, mas que ao mesmo tempo também são os elementos responsáveis pelo ritmo vagaroso da história.

    A característica mais interessante do roteiro do longa brasileiro é a facilidade com que expõe as diferenças entre as famílias Nascimento e Soares. A primeira é uma família de negros que foram libertados da escravidão com a Lei Áurea, em 1888, e a segunda é uma família rica de brancos, antigos donos de uma fazenda de café. O acontecimento que marca o início do filme - a morte da empregada de longa data da família - serve como alavanca para que diversos questionamentos e resistências quanto à liberdade dos negros sejam abordados pelas mulheres Soares, que vivem em São Paulo enquanto o patriarca ainda permanece na fazenda da família por mais que não tenha mais voz ativa no local.

    Isabel (Thaia Perez), Ana (Carolina Bianchi) e Maria (Clarissa Kiste) formam o elo da nobreza em Todos os Mortos; uma nobreza que vai se esvaindo à medida que a matriarca sofre a perda da empregada de forma física e a filha Ana passa a enxergar os fantasmas de antigos escravos que trabalhavam na fazenda do interior. Enquanto isso, Iná (Mawusi Tulani) e seu filho João (Agyei Augusto) são trazidos à São Paulo por insistência das Soares, que acreditam que a origem africana de Iná, assim como a cultura e seus costumes, trarão a mãe Isabel de volta do estado debilitado em que se encontra. É uma dinâmica curiosa que se desenrola naquela casa que vive nas sombras da grande cidade: apesar de a escravidão já ter sido abolida há 10 anos no Brasil, a família com resquícios aristocratas ainda se apoia descaradamente na família mais humilde, como se estivesse fazendo um favor à Iná ao pagar seu transporte até lá.

    Resistente em palavras, atitudes e expressões, Iná ganha uma performance poderosa de Tulani, enquanto o silêncio contido nas cenas de Bianchi como Ana (seja com seu piano ou apenas observando a vida fora de seu portão) é tão gritante quanto discreto. Dentro da casa na metrópole, as diferenças entre as quatro mulheres vão ficando cada vez mais agudas, mas a cadência dos atos é bastante semelhante em todo o percorrer da história. Tal observação não diminui a potência da mensagem trazida pelos diretores (que também assinam o roteiro), mas o bom nível da história não possui variações que chamem mais atenção do que a profunda imersão para dentro daquela casa e das mentes das mulheres que se sentem vítimas. Para Isabel, Ana e Maria, elas foram esquecidas pelas pessoas que as "abandonaram" com o tempo e, para aliviar tal angústia, descontam justamente naqueles que ainda estão ali, mas que não têm razão alguma para permanecerem.

    Quanto aos termos técnicos, Todos os Mortos ganha muitos pontos em experiência audiovisual graças ao cuidadoso trabalho de som (que vai aproximando o espectador do plot twist aos poucos) e da belíssima fotografia assinada por Hélène Louvart (de A Vida Invisível). São nos momentos de contemplação, como aqueles que mostram os personagens interagindo com certos elementos de São Paulo, que o filme encontra o triunfo de sua mensagem; e o trabalho técnico muito tem a favorecer aqui. A herança maldita que o Brasil carrega está nos detalhes em cada canto dos planos e nos tons das palavras, mas, simultaneamente, o filme faz questão de destacar o declive iminente de tal legado, que está muito mais ligado ao medo do que ao orgulho. Nos momentos em que Dutra e Caetano focam neste olhar que prioriza a pergunta "quem são os fantasmas?", o filme encontra seu peso histórico e cultural.

    Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.

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