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    A Série Divergente: Insurgente
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    A Série Divergente: Insurgente

    É normal ser diferente

    por Bruno Carmelo

    Para quem não assistiu a Divergente (2014), esta sequência se inicia de modo didático e veloz, explicando que estamos em um cenário futurista, dividido em facções. Se você se enquadra em mais de um grupo, é considerado um divergente, e precisa ser eliminado por representar um perigo ao sistema. Ponto. O começo pode ser explicativo, mas tem o mérito de deixar para trás a longa contextualização do filme original, a fim de partir para algo mais importante: o combate de Tris (Shailene Woodley), símbolo da revolução, contra Jeanine (Kate Winslet), símbolo da tradição. Há menos personagens coadjuvantes, menos subtramas: o roteiro pressupõe que você já conhece o essencial, o que é uma vantagem desta segunda história.

    O que interessa ao diretor Robert Schwentke é transformar esta franquia em uma saga clássica de ação e ficção científica. Tris torna-se na heroína de ação por excelência, passando por todos os clichês do “escolhido” - a descoberta de si, a dúvida, a aceitação dos poderes, a percepção de sua responsabilidade social, a combinação da força física com a pureza de sentimentos. No plano físico, ela corta o cabelo curto, como nos filmes de guerra, maneja armas de fogo como qualquer homem ao seu redor e supera testes dificílimos de realidade virtual, como Neo em Matrix (aliás, esta parece ser a maior referência de Insurgente). As cenas de luta, como o momento dentro do trem, são impressionantes e funcionais para descrever a força física e mental da personagem. Tris assemelha-se a uma super-heroína - e os testes, neste sentido, nada mais fazem do que comprovar seus superpoderes.

    Shailene Woodley continua sendo a principal responsável por tornar esta história verossímil e empolgante. A jovem atriz constrói uma evolução notável da personagem, transitando gradualmente entre a indignação e a ação, o amor e o ódio. Sem a sutileza de suas expressões, cenas como a de Tris enfrentando a si mesma poderiam parecer um tanto cômicas. Ansel Elgort e Miles Teller ganham contornos ambíguos, mais interessantes do que no filme anterior, mas a justificativa para suas mudanças de atitude é simples e rápida demais, comprometendo a coerência de seus personagens. Theo James, mais uma vez, constitui o elo fraco em meio ao bom elenco. Pelo menos o seu personagem torna-se mero ajudante da protagonista feminina, revertendo a lógica machista predominante nos filmes de ação.

    Octavia Spencer e Daniel Dae Kim se saem muito bem em suas cenas curtas, mas importantes para a trama. Já a escolha de Naomi Watts é questionável para o papel de uma líder rebelde dos sem facção. Devido à curta explicação sobre o seu passado, a talentosa atriz pouco consegue fazer para tornar a personagem mais complexa. Kate Winslet é tristemente subaproveitada: chega a ser uma afronta escolher uma atriz deste nível para um papel tão raso, limitado geograficamente a uma única sala, aos mesmos gestos. Winslet poderia facilmente transformar Jeanine em uma vilã malvadíssima e perversa, mas prefere mantê-la mais contida, humana, e talvez por isso mesmo um tanto monótona.

    O que realmente prejudica A Série Divergente: Insurgente, no entanto, são os diálogos sofríveis e as passagens rápidas do roteiro. Os personagens comunicam-se apenas em falas úteis, explicativas: eles dizem uns aos outros o que fazer (“Corra”, “Fuja”, “Prove-me”), mas quase nunca expressam sentimentos ou reflexões, ficando presos à lógica funcional e linear dos filmes de ação. Não há momentos de respiro, cenas de reflexão nesta obra sisuda demais, desprovida de senso de humor. Por ser o segundo filme de uma franquia, que já não precisava mais estabelecer o seu universo, é uma pena que o roteiro não tente aprofundar a psicologia dos personagens para além dos traumas maternos de Tris e Quatro.

    Por isso mesmo, toda a atenção dos produtores parece ter sido voltada ao espetáculo dos efeitos especiais. Há uma quantidade ostensiva de CGI, com cenas de ação criadas digitalmente e projetadas sobre telas verdes. Os cenários das simulações são grandiosos, mas ao mesmo tempo pouco criativos - afinal, prédios suspensos, edifícios em ruínas e cabos ligados ao corpo dos personagens não são exatamente uma novidade no gênero. Apesar do aspecto convencional, esta sequência apresenta uma produção maior do que a de Divergente, com um visual mais apurado e uso inteligente do 3D, explorando a profundidade de campo e tornando as cenas de ação (como a invasão no topo do prédio) mais emocionantes. É uma pena que o 3D torne a imagem tão escura, e que as projeções de diversas salas de cinema sejam ruins a ponto de escurecerem ainda mais a imagem, transformando as legendas brancas em palavras acinzentadas, e fazendo os tons escuros se perderem em um único borrão preto. A fotografia de Florian Ballhaus pode ter seus méritos, mas eles são dificilmente percebidos em projeções tão fracas. (Por isso, pense bem na hora de escolher a sua sala de cinema…).

    Pelo menos, A Série Divergente: Insurgente mantém a opção de privilegiar as mulheres em posições de comando. Tris não é recatada e passiva, como certas heroínas apaixonadas de outras adaptações de livros adolescentes. Ela toma a iniciativa, atirando, pulando, saltando, tendo desejo sexual e um furor guerreiro que vai além do simples ímpeto de fazer justiça. O roteiro também inclui, mesmo que rapidamente, uma discussão sobre o modo como minorias sociais são tratadas em sociedades pouco democráticas, sendo levadas a se sentir culpadas dos males sociais. Não se pode esquecer que o divergente é uma metáfora do cidadão diferente e minoritário (gordo, gay, negro, deficiente, esquisito, como preferir), transformado aqui em super-herói essencial para a manutenção do equilíbrio social.

    (Atenção: possíveis spoilers abaixo!)

    A conclusão, aliás, reforça em nível quase infantil a metáfora da inclusão de minorias. O desfecho deixa uma impressão meio amarga: apesar de concluir de maneira satisfatória a estrutura do filme - algo que nem todo segundo filme de franquia consegue realizar -, ele o faz de maneira abrupta e simplista, aplicando o deus ex machina por excelência: um novo personagem simplesmente aparece com uma mensagem edificante, ordenando que o conflito se resolva e a paz se instaure. É uma visão otimista, positiva em relação às diferenças, mas ao mesmo tempo muito fraca como ferramenta narrativa. Insurgente se conclui como um blockbuster da era Glee, que não se limita a mostrar as minorias ascendendo a posições de poder, mas insiste em verbalizá-lo com mensagens explícitas de cunho moral. Para o bem ou para o mal, o discurso consegue atingir seu interlocutor.

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