Footloose a la Ken Loach
por Francisco RussoDentre os diretores de ponta em atividade no momento, Ken Loach talvez seja o mais politizado de todos. Há décadas o veterano diretor inglês tem abordado em seus longa-metragens ideais de defesa dos mais fracos diante da força do Estado ou da Igreja, muitas vezes aproveitando fatos históricos para ressaltar os abusos ocorridos. É o que acontece também em Jimmy's Hall, aquele que pode ser seu último longa-metragem.
Desta vez, Loach aborda um obscuro caso ocorrido na década de 1930 no interior da Irlanda, na pequena cidade de Leitrim. Com o país vindo de uma guerra civil, resolvida oficialmente mas que deixou profundas cicatrizes, a vida cotidiana é abalada pelo retorno de Jimmy Gralton (Barry Ward, bem parecido com Richard Gere mais jovem) à sua cidade-natal. Idealista, Jimmy abriu no passado um salão onde as pessoas tinham aulas sobre todo tipo de atividade, sempre gratuitas, além de promover nele animadas festas. Sua intenção era que os alunos recebessem conhecimento, de forma não apenas a encontrar um ofício mas também expandir a mente. Após uma década em Nova York, não demora muito para que Jimmy reabra seu salão. É claro que tal iniciativa amedronta os poderosos locais, especialmente o veterano e rigoroso padre Sheridan (Jim Norton).
Por mais que possua toda uma contextualização política, é inevitável a lembrança de Footloose ao assistir o longa-metragem. Afinal de contas, a batalha de um padre rigoroso contra um local onde as pessoas possam dançar livremente, praticando os "movimentos pélvicos libidinosos" do jazz (palavras do filme), são bem similares ao embate entre Kevin Bacon e John Lithgow no clássico musical dos anos 1980. Entretanto, a faceta dançante (e mais leve) do longa-metragem é apenas a porta de entrada para algo bem mais profundo: os interesses da classe dominante em manter a massa desinformada e sem opções, de forma que seja mais fácil manipulá-la. É este na verdade o grande risco que Gralton representa.
Esquerdista convicto, Loach transforma Jimmy's Hall em (mais) um libelo pela liberdade e direitos iguais, denunciando absurdos cometidos pela classe dominante, como tantas vezes fez em sua filmografia. Entretanto, por mais que o longa-metragem seja baseado em uma história real, carece ao filme o impacto incisivo presente em obras como Apenas um Beijo e Pão e Rosas. É como se Loach optasse por dar mais destaque ao lado mais leve da dança do que aos meandros políticos em torno da perseguição a Gralton, preferindo se ater mais na questão da intransigência religiosa. Funciona, mas também deixa uma boa margem que poderia ser melhor explorada. Ainda assim trata-se de um bom filme, que merece ser visto não apenas pelo fato apresentado mas, também, pelas possíveis (e inevitáveis) analogias existentes em relação à realidade brasileira, tanto na questão do estudo quanto na interferência da Igreja.
Filme visto no 67º Festival de Cannes, em maio de 2014.