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    A Garota de Fogo
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    A Garota de Fogo

    O mistério de Bárbara

    por Francisco Russo

    Como é bom ver um filme em que o diretor sabe o que faz... Seja pela condução habilidosa da narrativa ou pelo uso do silêncio como elemento dramatúrgico, fato é que a direção de Carlos Vermut é o grande destaque do tenso A Garota de Fogo. Com apenas dois longas no currículo - o anterior foi o pouco conhecido Diamond Flash (2011) -, ele impressiona pela forma como estrutura e desenvolve o mistério em torno de Bárbara, uma mulher repleta de perguntas que, em muitos casos, o filme não está interessado em responder. É na aura que a cerca que tudo se sustenta.

    De certa forma, o estilo de Vermut lembra o da autora Gillian Flynn, responsável pelos livros que serviram de base para Garota Exemplar e Lugares Escuros. O universo cínico e sombrio é bastante semelhante, colocando os personagens principais em situações incômodas que, em condições normais, jamais se arriscariam. Ao mesmo tempo, tais incursões revelam um mundo proibido existente neles, até então escondido. São as sombras que rondam a narrativa, tão importantes quanto o desenvolvimento da própria história.

    Outro aspecto bastante interessante de A Garota de Fogo é que a personagem-título (e protagonista) apenas é revelada cerca de meia hora após o início do longa-metragem. Até lá somos apresentados a Luis (Luis Bermejo, muito bem) e Alicia (Lucía Pollán, idem), pai e filha habituados com o convívio diário da morte. Tudo porque ela possui leucemia e sequer sabe se conseguirá comemorar mais um aniversário. Temeroso e carinhoso, Luis faz o que pode para agradá-la. Mesmo que isto inclua arranjar sete mil euros para comprar um vestido exclusivo da personagem de anime preferida dela, a tal Magical Girl do título original. É quando a sombria Barbara (Bárbara Lennie, ótima) entra em cena.

    Com personagens repletos de conflitos morais e problemas sociais, o diretor constrói uma trama envolvente que, a cada virada, surpreende e impressiona. A densidade dramática decorrente do desespero de seus protagonistas, pontuada por uma incômoda (e excelente) ausência de trilha sonora, provoca uma tensão hipnotizante. Você logo quer saber mais, entender aquele universo, mesmo que as explicações sejam dadas a conta-gotas - quando são! Este é outro mérito do também roteirista Vermut: a habilidade em conduzir o mistério ao longo de 127 minutos, dosando sempre o que é revelado, seja visualmente ou através de palavras, com as lacunas intencionalmente deixadas para que o espectador potencialize o que acontece(u) em sua própria consciência. Mais do que apenas exibir, Vermut quer induzir.

    Com um elenco competente e coeso em mãos, somado a uma fotografia que explora bastante a escuridão em torno dos personagens e enquadramentos milimetricamente calculados, A Garota de Fogo é um belo filme de mistério que explora com sabedoria o cinismo e a crueldade existente no ser humano, decorrente de suas angústias e desejos. Isto com um subtexto bem interessante sobre a dualidade entre razão e emoção no povo espanhol, extremos que também norteiam os personagens, e com uma certa calma para desenvolver a narrativa. Com ecos de Hitchcock, pelo modo como os momentos de tensão são conceitualizados e desenvolvidos de forma até simples, trata-se de um filme envolvente que, desde já, desperta a vontade de conferir qual será o próximo passo do diretor.

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