O Sal da Terra – Ao Wim Wenders o que é de Wim Wenders
Vilson Rosalino
O Sal da Terra, o documentário dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado revela um pouco da trajetória pessoal e bastante das obras do consagrado fotógrafo Sebastião Salgado. Ao mesmo tempo, como uma espécie de sutil ato falho, evidencia como de fotógrafo amador Salgado chegou à consagração e avançou para o refinamento de trabalhar focado em grandes projetos voltados para o mercado editorial dos chamados livros de arte.
Se o filme revela muito da trajetória da grande figura humana e da extraordinária obra artística de Salgado, enquanto cinema mostra-se a si mesmo uma obra menor do respeitado diretor alemão, nessa parceria não muito enriquecedora com o filho do, digamos, protagonista. Wenders dirigiu muitas obras ficcionais algumas das quais primorosas como Paris Texas (84) e Asas do Desejo (87), mas foi exatamente de sua obra documental que lhe veio maior reconhecimento, notadamente de Buena Vista Social Club (99), Pina (2011) e deste Sal da Terra, com indicações ao Oscar de melhor documentário de 2014. Curiosamente, se a trajetória de Salgado é a de um artista que se encorpa com o passar dos anos como mostra o filme, em Wim Wenders vê-se o algo diferente: em Pina Bausch, por exemplo, infelizmente temos apenas resquícios do inventivo criador presente na descoberta dos talentosos músicos cubanos.
Ao longo de sua de projeção, o filme escancara momentos que parecem uma eternidade, de tão impactantes, tanto pelo objeto quanto pela forma da narrativa. Minutos intermináveis de grandioso cinema documentário. Refiro-me às sequências, em claro-escuro, de planos em close que projetam de um negro profundo o marcante rosto de um calejado Sebastião Salgado a nos falar sereno e perspicaz das imagens por ele fixadas e que agora, enquanto contra planos de uma obra de cinema, também em claro-escuro, fazem com ele um todo descritivo, da insana busca de felicidade que existiu em Serra Pelada; da catastrófica destruição de centenas de milhares vidas pela fome e por doenças na Etiópia; ou então, das não menos catastróficas ondas de genocídio seguidas de mortes e mais mortes por inanição, sede e doenças, quando Tutsis e Hutus matavam-se mutuamente, em Ruanda, nos anos 1990, diante da mais calada omissão da comunidade internacional.
Como essas sequências parecem ser de exclusiva autoria de Wenders, então, nelas ele supera, em muito, o que fez em Pina e, certamente, supera até ao Wenders de Buena Vista, atingindo o ápice de seu trabalho de documentarista de grandes artistas, embevecendo o expectador com a arrebatadora fusão da força de seu trabalho cinematográfico com a imponência da arte e do artista captados por sua filmadora.
É uma pena que O Sal da Terra não tenha sido todo ele feito com essa vigorosa direção artística. Permeando essas ilhas de beleza, como que feitas por um cineasta menor, lá estão sequências, em cores, a nos mostrar de modo ingênuo um heroico Sebastião Salgado a registrar, como um mocinho-fotógrafo, algum rito de habitantes de alguma perdida região da Indonésia, em práticas e trajes aparentemente primitivos que, por ser evidentemente encomendado, assume caráter nitidamente não documental e feições de empulhação. Desse mesmo modo, se fabricou as sequências com aqueles que seriam, e possivelmente sejam, índios de uma tribo apenas recentemente contatada pela FUNAI, no sul do estado do Pará.
O fato de a TV levar ao público filmagens que simulem fatos ou ocorrências sem que a menor advertência acerca do caráter de simulacro de tais audiovisuais seja feita ao telespectador, absolutamente, não legitima que o cinema faça o mesmo. Antes, do bom documentário exige-se o contrário.
Assim, um incômodo viés a nos sugerir uma aura em torno da figura do importante fotógrafo perpassa essas sequências menores e acaba por macular a qualidade de todo o filme. Inconveniente particularmente visível nas últimas tomadas que enfocam os esforços empreendidos pela família Salgado na recuperação, com espécies nativas da mata atlântica, da cobertura vegetal da fazenda família, em Aimorés – MG, onde Sebastião vivera sua infância. Mesmo ao espectador desavisado que até não se incomodara com o canhestro presente nas cenas coloridas dos indígenas nus ou em tangas, agora talvez salte aos olhos que as mudinhas enterradas por Dona Lélia, mulher de Sebastião e mãe de Juliano, só por um muito grande milagre poderiam ter se transformado, no decurso do tempo fílmico, nas frondosas árvores ao fim acariciadas por Sebastião. E, sobressaltado, quem sabe, esse espectador até resmungue: “Oi! Não era para ser um documentário?”.
A despeito de suas fraquezas, O Sal da Terra merece ser visto porque tem muito a ser apreciado. Se ele mostra, até pela alternância entre o preto-e-branco com as sequências em cores, um não bem sucedido e raro caso de Dois em Um no cinema, mostra-nos também que, se devolvermos ao Juliano o que é de Juliano, ficamos com uma pequena obra prima do cinema documental de Wim Wenders.
Ah! Se eu pudesse dizer: “com a palavra o Wim Wenders!”...
Ficha Técnica
Produção: Wim Wenders, Juliano Ribeiro Salgado e David Rosier.
Direção: Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado.
Título Original: Le Sel de la Terre.
Gênero: Biografia, Documentário.
Duração: 1h 50min.
Ano de lançamento: 2014.
Classificação etária: 12 Anos.
Em Florianópolis, em 30/03/2015.