O SAL DA TERRA
O ser humano é o sal da Terra! Quais homens? Como? Por que? Isso tudo pode ser conferido neste belo filme "Doc Depoimento"; O Sal da Terra, de Wim Wenders e Juliano Ribeiro, sobre o grande fotógrafo brasileiro, que se fez profissional na França e hoje é um cidadão do mundo.
Sebastião Salgado é um ARTISTA, não um fotógrafo documentarista, "apenas", sem demérito ao documentarismo! E, como tal, o artista em seu frenesi criativo vai buscar, se serve da matéria prima da realidade para mostrar e apresentar aos espectadores, o que viu e processou pelo seu filtro criativo. Vai buscar cumplicidade, admiração, causar impacto, incômodo, reflexão, solidariedade, raiva, asco, compaixão. Imagina e deseja que aquela realidade nua e crua seja transformada.
Ao que parece os olhos estão cansados pelo tanto que já viu, fixos para a câmera de Wim Wenders e seu filho Juliano, Sebastião confessa com um certo pessimismo; o ser humano tem sido perverso, ruim demais com os seus semelhantes. As matanças, os genocídios, as fugas, os êxodos em massa de populações são exemplos do que há de pior na trajetória de milhões de seres humanos pelo mundo. Tudo perpetrado por outros seres humanos inseridos em sistemas e organizações da pior qualidade. Isso é essencialmente o sal da terra, aquele excesso, ruim para o tempero da vida.
Mas, Sebastião Salgado também tem ido aos confins do mundo, buscar populações isoladas, exemplares vivos do passado histórico remoto. Captando com sua câmera imagens de gente pura, "feliz" na sua forma possível de felicidade, contextualizada ao seu ambiente e modo de vida primitiva, isolados e privados das chamadas "conquistas" da humanidade, esses silvícolas de todas as partes, ainda temperam a terra dos nossos antepassados.
Ao lado de Lélia sua companheira de jornada - homenageada no filme pelo próprio Sebastião como a responsável por grande parte da obra -, "Tião" ainda foi capaz de recuperar ambientalmente as terras de sua família, uma fazenda que já foi próspera em madeira e gado e foi com essa trajetória de exploração, responsável pela deterioração do lugar: seca, desaparecimento de minas d'água, cachoeiras, desparecimento da fauna e da rica flora do sistema de Mata Atlântica do lugar.
Ao cabo de pouco mais de uma década, o artista e a sua companheira, não só foram capazes de dar vida ao lugar com o replantio de toda sorte de espécies da Mata Atlântica, como foram sábios ao dotar às futuras gerações com o "Instituto da Terra", uma organização destinada a agir, mostrar que é possível temperar a terra com o melhor sal que há na humanidade.
Bem faz o "Tião"- perdoe a intimidade grande fotógrafo, imenso artista e ser humano cidadão do mundo, mas o seu trabalho nos permite a liberdade de considerá-lo como um dos nossos parentes próximos, aqueles que amamos incondicionalmente -; enfim, bem faz em não entrar em polêmica com aqueles que fazem a crítica da suposta "estetização" da miséria humana, em sua obra. Ele diz simplesmente que "faz o seu trabalho".
Por que não ver, nas imagens luminosas, super expressivas das figuras esquálidas, desprovidas de qualquer esperança, de possibilidade para uma vida digna na face da Terra, como "criações artísticas" comparáveis e igualmente denunciatórias como são as criações do nosso pintor Candido Portinari e seus retirantes ou em seu memorial Guerra e Paz? Ou ainda, ao retrato nu e cru que Pablo Picasso fez do horror da Guerra, em Guernica? É como a obra de Sebastião chega até mim e quem sabe a tantas outras pessoas. Certamente, chega a tantas outras de forma diferente, sempre, porém, provocando algum impacto, sentimento, revelação. Cumpre seu papel.
O filme também. No sábado (28/03), no cinema Reserva Cultural foi possível ouvir aplausos ao cabo das sessões das 17 e das 19 horas. Enquanto na tela, o filme nos revelava a equipe técnica e todas as capacidades que foram reunidas para viabilizar o projeto de contar a trajetória de 40 anos da vida de Sebastião e Lélia - desde os tempos do exílio na França, passando pelos inúmeros projetos, uns associados à ONU, outros aos médicos sem fronteiras, ou aqueles engendrados como projetos mais pessoais -, os aplausos de dezenas de pessoas nas duas sessões foi uma espécie de homenagem, um reconhecimento de que de gente assim se faz o sal da terra. (PA)