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    A Comédia Divina
    Críticas AdoroCinema
    1,0
    Muito ruim
    A Comédia Divina

    Pobre Machado

    por Rodrigo Torres

    A Comédia Divina remonta a um tempo passado, meio esquecido, e nada condizente com suas referências à obra-prima de Dante Alighieri, "A Divina Comédia", ou ao provocante conto em que é inspirado, "A Igreja do Diabo", de Machado de Assis. A lembrança é um momento em que o cinema brasileiro engatinhava, sem aporte financeiro, estrutural ou criativo, em que a simples realização de um filme representava um feito e, para muitos, o resultado artístico era relativizável em variadas esferas (e, mesmo assim, nem todas).

    Desde as suas primeiras cenas, e até as últimas, A Comédia Divina revela pobreza cinematográfica em todos os aspectos. No campo imagético, uma linguagem burocrática, televisiva em sua acepção menos inspirada e mais industrial, planejada para a exibição diária dos episódios de uma novela rodada em estúdio. A plasticidade dos cenários, funcional se evocativa de um aspecto da trama, aqui só reflete falta de orçamento e/ou imaginação da equipe de direção de arte. Aliada à baixíssima qualidade dos efeitos visuais, a composição visual do longa-metragem remete à icônica Vamp, porém sem sua inventividade, autoconsciência e justificativa de ter sido realizada com a precariedade de recursos do início dos anos 90.

    E assim é todo o resto: a dramaturgia banal, a trilha sonora caricata, a inserção de marcas grotesca, sem critério, a fotografia básica que se torna embaraçosa ao revelar pontos mal iluminados na casa de Raquel (Monica Iozzi) etc etc. Apesar de tantos problemas flagrantes, Toni Venturi se mostra satisfeito com a encenação de A Comédia Divina, desaproveitando a oportunidade de usá-los a seu favor ao assumir um posicionamento trash. Rompendo com a realidade, radicalizando para um diálogo com o nonsense, o longa nacional poderia fazer humor como Hermes & Renato, horror como Evil Dead, comédia romântica como Quem Vai Ficar Com Mary? — melhor e mais consistentemente.

    No entanto, o diretor e roteirista (idealizador do projeto durante longos anos) demonstra, a todo momento, que essas são apenas escolhas ruins de uma obra que se leva a sério. Um dos piores indícios disso são as frases feitas, atiradas de modo aleatório e exaustivo; não como um motivo de graça em si, mas para efeitos dramáticos, como tiradas cômicas ou conclusões morais — fracassando indecorosamente em todas essas atribuições. Não provocam, não divertem, não funcionam. Não têm sentido de estar ali.

    Com timing cômico, o romantismo de Lucas (Thiago Mendonça) poderia render boas risadas; porém, o propósito é dramático, e o efeito é constrangedor. O mesmo desconforto se faz presente na vulgaridade do jornalista Mateus (Dalton Vigh) e na ironia do Diabo (Murilo Rosa) à sexualidade de seu irmão Gabriel — gags de teor politicamente incorreto que são ruins porque mal elaboradas e que destoam de toda a aura do longa-metragem, que exala ingenuidade. A troca dos nomes de marcas famosas por trocadilhos bobos denota esse descompromisso. Ou um trabalho tão pessoal por parte de Toni Venturi e equipe que a primeira ideia ganharia aprovação final sem muita reflexão, sem nenhuma lapidação.

    Assim, a prolífica premissa do texto de Machado de Assis (a contradição humana como impeditivo de sua entrega irrestrita à adoração do Diabo) é apenas apresentada, em três breves momentos, sendo resgatada no fim como lição pueril para o simpático antagonista. Portanto, sem nenhuma articulação com a trama de Raquel, personagem feminina atirada de um lado a outro sobre os homens do filme (que passa longe do Teste de Bechdel) e cuja relação com o Diabo é definida pela esquizofrenia — do medo à devoção ao questionamento à revelia.

    Curiosamente, porém, há toda uma preocupação social em se retratar Deus como uma mulher negra (Zezé Motta), e não à toa o anjo Gabriel é homossexual. Há um subtexto crítico à relação entre o jornalismo e a publicidade, uma sátira ao ridículo programa "Casos de Família", homenagem a Silvio Santos... Enfim, Toni Venturi tenta. Aplica algumas ideias, boas e ruins. Mas não desenvolve nenhuma delas. Nem o conto de Machado, nem a referência a Dante. Sem ser ácido, sem ser engraçado. Sendo só ingênuo: pelo desperdício de obras tão sofisticadas, pelo manuseio desconexo dos temas que propõe, pelo exercício precário da linguagem cinematográfica.

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    Comentários

    • Jonas Rimmer
      Como se acreditar na criação do universo por um Deus todo poderoso fosse mais difícil do que crer que ele surgiu do nada, sem uma causa primeira. Esses ateus... Só falta agora gritar Lularápio livre!
    • Jonas Rimmer
      Opa, mais um ateuzinho que acredita em tudo que a Grobo põe nos filmes, novelas e telejornais. Não se esqueça: é a SUA Salvação eterna.
    • Bernardo V.
      Own que mimimi Lindo ! (deus fala no filme que nao gosta de mimimi)
    • Bernardo V.
      para nao gostar é facil, tenha a mente presa a definiçoes absolutas e conceitos unos... ou seja apenas um cristao com muita contradição ! rssNao sei pq vejo o BoZonaro em muitos momentos no papel de murilo rosa e não é pela aparência fisica !
    • Perfil Fake da FlusÓCIO
      Filme deplorável. Mais um ataque da Globo ao Cristianismo, que felizmente falhou miseravelmente. O que não impedirá a emissora de transmití-lo em alguns meses. Felizmente não assisto mais a ela, já há muitos anos.
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