Para olhar as minorias
por Bruno CarmeloO drama Garotas examina uma parcela bem específica da sociedade francesa: as adolescentes negras dos subúrbios franceses. Marieme (Karidja Touré), de 16 anos, combina diversas marcas de exclusão social: é negra, mulher, pobre, morando em bairros de predominância muçulmana ou católica conservadora. A jovem é vítima de um sistema de ensino pouco compreensivo, de uma família dilacerada e ausente, e da falta de oportunidades profissionais.
A diretora Céline Sciamma (Tomboy) segue esta personagem com as ferramentas mais austeras do naturalismo cinematográfico: uma câmera livre em steadycam perseguindo as caminhadas pelos bairros pobres, pelos corredores, pelos trens da periferia. A luz é natural, o som privilegia os barulhos ao redor, o enquadramento em scope valoriza as diferenças arquiteturais entre os prédios padronizados dos HLM (edifícios oferecidos aos moradores de baixa renda) e as construções chiques dos bairros nobres de Paris.
O realismo estético é acompanhado por um olhar desprovido de julgamentos. Marieme, confrontada ao destino nada animador, decide tomar as rédeas de seu futuro e investir em atividades questionáveis, como furtos, brigas e o tráfico de drogas. Sciamma nunca a vê como uma pobre vítima do sistema, mas também não enxerga esta jovem como um elemento social perigoso. O olhar do filme, de fato, tenta ser o mais neutro possível. A câmera busca se colar ao rosto, à nuca, à pele dos personagens. Mas quando eles choram, quando vibram, quando sentem raiva, o olhar se distancia: este é um filme sociológico com evidente recusa em apelar às emoções do espectador.
O posicionamento do filme pode ser ideologicamente interessante, mas torna a experiência de Garotas um tanto fria: apesar de passar por diversos conflitos (o namoro proibido, a fuga de casa, a briga com outras garotas), nenhum deles suscita questões morais – nem para Sciamma, nem para Marieme. As ações são inconsequentes e, neste aspecto, o filme carrega o germe de um triste pessimismo, que não busca as origens do problema nem enxerga soluções possíveis. Esta é uma obra de constatação: percebe-se um sistema opressor, que se retroalimenta e não tende a qualquer melhora.
O roteiro consegue ser empático com as personagens, fornecendo tempo para se expressarem, para ficarem em silêncio, demonstrarem hesitações. A interação entre as atrizes é bastante agradável, mas quando a diretora busca construir momentos mais poéticos, beira um artificialismo kitsch – vide o longo clipe ao som de Rihanna, ou a cena com a câmera deslizando entre vários rostos de garotas, algo certamente belo, mas sem função narrativa além de reforçar a dinâmica do grupo. Mesmo assim, existe uma poesia simples no conjunto das imagens – talvez justamente quando a câmera não se esforça demais para extrair beleza destes momentos brutos de interação entre os jovens.
Nas cenas psicologicamente mais complexas, a novata Karidja Touré nem sempre dá conta do recado (sua naturalidade com diálogos não se traduz em grande expressividade no rosto e nos gestos), algo também percebido nas colegas interpretadas por Assa Sylla, Lindsay Karamoh e Mariétou Touré. Mas estas são consequências diretas de se trabalhar com atores inexperientes, e de buscar uma experiência não intervencionista. Garotas, de modo geral, carrega as virtudes e as limitações da neutralidade excessiva: ao mesmo tempo em que se aproxima da fisicalidade das pessoas e dos espaços, impede que o espectador conheça a fundo os seus desejos. Este é um belo estudo sociológico, mas um retrato frágil no aspecto humanista.