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    Longwave - Nas Ondas da Revolução
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Longwave - Nas Ondas da Revolução

    Para rir da política

    por Bruno Carmelo

    Que filme curioso, este. Enquanto a maioria das comédias contemporâneas busca o impacto, o choque e o ritmo frenético, Longwave – Nas Ondas da Revolução opta por um tom leve, agradável, e demora o tempo necessário para construir sua inesperada mistura entre política, sexo, ética no jornalismo e revolução. Tudo isso é conduzido de maneira surpreendentemente fluida e divertida, capaz de deixar até o espectador mais ranzinza com um sorriso no rosto ao final da sessão.

    Na trama, passada nos anos 1970, um grupo de jornalistas de uma rádio estatal suíça é obrigado a fazer uma reportagem chapa-branca em Portugal, a respeito das contribuições suíças ao povo lusitano. O problema é que nenhum deles está realmente interessado no tema: Julie (Valérie Donzelli) é uma militante feminista que sonha em ter o próprio programa, Cauvin (Michel Vuillermoz) é uma celebridade decadente do rádio, Bob (Patrick Lapp) é um técnico de rádio preocupado apenas com a qualidade de seus registros. Juntos, eles descobrem que a Suíça não trouxe nada ao país ibérico “pouco desenvolvido, mas ainda assim simpático”, como chamam, e que por acaso existe uma revolução ocorrendo no local, clamando pelo fim da ditadura.

    É interessante que a política não seja o centro da história, e que os protagonistas integrem este cenário de maneira acidental. O diretor suíço Lionel Baier traz um olhar assumidamente estrangeiro, externo, sem compromisso com a veracidade histórica. Seu interesse é a paródia dos valores, da moral, com farpas destinadas a todos os presentes – tanto os revolucionários quanto os governistas. Melhor ainda, o cineasta não se limita a ilustrar eventuais piadas do roteiro, construindo o humor através dos enquadramentos, da luz, do som, da montagem. Isto sim é uma comédia inteligente, por transparecer a reflexão do diretor sobre o uso da linguagem cinematográfica na construção das situações assumidamente patéticas.

    Um exemplo disso: lá pela metade da narrativa, Julie, preocupada em encontrar depoimentos relevantes para a reportagem, corre atrás de um tanque de guerra em um campo aberto, provocando os militares. A máquina para, vira seu canhão para a moça e espera. A imagem também espera, e o enquadramento se afasta, no intuito de incluir tanto a pequena mulher quanto o gigantesco veículo à sua frente. Não é preciso mais nada para despertar o riso: o jogo de proporções, de perspectivas, é criado com maestria pela direção. Baier não se limita a copiar o visual dos anos 1970, e sim atualiza um estilo de comédia fora de moda (minimalista, silenciosa, remetendo a Pierre Richard e Jacques Tati) para uma época que não conhece mais o “paz e amor” como ferramenta militante. Assim, cenas simples como o dia seguinte a uma orgia, quando os jornalistas admiram o horizonte completamente nus (e a câmera foca em seus traseiros) ou o discurso inesperado de Cauvin aos soldados são impagáveis.

    Os atores contribuem em muito nessa empreitada. Enquanto Baier constrói seus enquadramentos insólitos e clownescos, Válerie Donzelli, Michel Vuillermoz, Patrick Lapp e Francisco Belard dão um verdadeiro show cômico em gestos em olhares, sem precisar remeter a nenhuma reação histriônica ou situação de escatologia/humor físico para fazer rir. Pelo caráter carinhosamente desabusado dos personagens (Cauvin insiste que fala português durante todo o filme, mas ninguém compreende uma palavra do que ele diz), Longwave consegue funcionar ao mesmo tempo como paródia, crítica e homenagem a estes tempos passados. É uma pena que uma pequena pérola destas, perdida no meio do circuito comercial brasileiro, não tenha recebido um título mais apropriado (por que conservar o “Longwave” americano, e por que anular a ótima ambiguidade do título francês?), nem um cartaz mais atraente. Mesmo assim, para quem se arriscar na sessão, a recompensa é garantida.

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