A vida imita a arte
por Francisco RussoNada se cria, tudo se copia – ou ao menos se adapta. A famosa frase criada por Chacrinha não mais se refere apenas à televisão, mas também aos mais diversos meios de comunicação. Além das incontáveis sequências e refilmagens que chegam ano sim e no outro também, a moda mais recente é adaptar personagens conhecidos ou histórias clássicas em outro formato, seja para satirizá-los ou até mesmo para criar algo novo. Assim foi com Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros e Orgulho e Preconceito e Zumbis, voltados para a aventura de terror, e também com Gemma Bovery. O resultado, ao menos neste caso, é interessante.
Inspirado no clássico “Madame Bovary”, o livro escrito por Gustave Flaubert que escandalizou a França no século XIX, o longa-metragem apresenta uma espécie de versão moderna de sua protagonista. Entretanto, mais do que simplesmente adaptar a história, Gemma Bovery insere o livro na própria narrativa, tarefa esta que cabe ao voyeur interpretado por Fabrice Luchini. Fã declarado do livro, o personagem não apenas reconhece as semelhanças entre Emma e Gemma como passa a admirá-la de longe, numa mistura de fascínio pela obra literária e pela própria musa. É esta mescla o trunfo do filme, auxiliada pelo (habitual) bom trabalho do ator.
Com Luchini como um coprotagonista sempre à espreita, cabe a Gemma Arterton a personagem-título. Se por um lado ela consegue transmitir a sensualidade exigida pela personagem, especialmente nos momentos em que o possível caso extra-conjugal ganha força, por outro é impressionante sua incapacidade em transmitir emoção nos momentos mais dramáticos. Há uma cena em particular, em um restaurante, onde Gemma (a atriz, não a personagem) simplesmente lê o roteiro, sem qualquer expressão facial. Por mais que Gemma (a personagem, não a atriz) seja uma mulher entediada com a vida que leva, ainda assim possui momentos em que é necessária alguma vibração – e isto sua intérprete não consegue, o que prejudica bastante o longa-metragem.
Repleto de belas paisagens do sul da França, ressaltadas pela fotografia luminosa de Christophe Beaucarne, Gemma Bovery passa de leve por questões envolvendo o olhar do estrangeiro diante do local e a eterna briga entre franceses e ingleses. Entretanto, o tema principal é mesmo como “Madame Bovary” é aproveitado nesta obra, seja através da recriação de sua história ou como elemento desta nova narrativa. Por mais que seja até inventivo e visualmente bonito, o longa-metragem carece de uma protagonista mais competente, ou ao menos que não se sustente apenas através dos atributos físicos. E se você estiver na lista dos que não leram o livro de Flaubert, não se preocupe: é perfeitamente possível identificar várias das questões transpostas das páginas para a telona, por mais que, obviamente, quem tenha lido o livro as perceba em maior quantidade e com mais detalhes.
Filme visto no Festival Varilux de Cinema Francês, em junho de 2015.