O filme Getúlio, embora não termine sua exibição nos cinemas sagrando-se como um grande sucesso de bilheteria (até o momento emplacou modestos 200.000 espectadores), poderá contabilizar várias vitórias para o cinema brasileiro atual. O filme marca a quebra de um jejum dramático do cinema brasileiro, que nos últimos meses ou anos vem produzindo e/ou conseguindo sucesso comercial somente com comédias, a maioria delas bem fracas. O estúdio Globo, produtor de quase a totalidade dos grandes lançamentos nacionais no cinema ultimamente, também correu riscos e apostou neste filme, que tem uma produção bem acima da média. As produções da Globo Filmes invariavelmente parecem feitas para a TV, mas lançadas antes em versão compacta nos cinemas. Não é o caso de Getúlio, que tem como grande trunfo sua qualidade como cinema, daqueles filme que funcionam bem melhor na tela grande. Além disso, o filme se aventura num gênero pouco usual para o cinema brasileiro: o thriller político, e o faz muito bem. Mas acima de tudo, Getúlio marca a conquista da maturidade definitiva do cinema nacional. Além de uma produção impecável, caprichada na reconstituição de época em seus mínimos detalhes, o filme é inegavelmente cinema da melhor qualidade, no domínio da técnica narrativa e dos recursos de montagem, som, fotografia e uso da trilha sonora, o que me faz dizer que Getúlio é motivo de orgulho para o cinema brasileiro.
Não vou entrar no mérito da questão se o filme faz um retrato fiel e justo da personalidade de Getúlio Vargas, mas como todo estudante brasileiro aprendi na escola apenas que o presidente se suicidou após o escândalo da tentativa de assassinato de Carlos Lacerda. O que o filme faz por espectadores que se limitam a este conhecimento do assunto é abordar os detalhes da política brasileira que estavam ocultos - até mesmo aos olhos do próprio presidente, segundo a visão do filme - além de inequivocamente demonstrar que seus meandros - conchavos, traições e alianças duvidosas - não mudaram em nada daquele tempo para hoje.
Como o roteiro optou por focar nos últimos dias de vida de Getúlio Vargas (o título provisório era este mesmo - Os Últimos Dias de Getúlio Vargas), há espaço para um tratamento mais profundo da personalidade do presidente e seu estado de ânimo à época. Assim, o palácio de Catete é constantemente sugerido no filme como uma gaiola de ouro, uma prisão de luxo. E Tony Ramos ganhou de presente vários momentos no filme para compor sua interpretação, que seguramente é a melhor de sua carreira. Um dos pontos que considero positivos em sua interpretação foi não ensaiar um artificial sotaque gaúcho, armadilha que muitos atores poderiam ter seguido. Ramos declarou que quando convidado hesitou em aceitar por 2 motivos: não se achava fisicamente parecido com Getúlio Vargas, e estava receoso de o filme endeusar demasiadamente um notório ditador. Bom, depois de pronto, o filme demonstrou que seus receios eram desnecessários. Sua interpretação supera a questão da semelhança física com o personagem da vida real. E a complexidade com que é tratado não permite pré-julgamentos positivos ou negativos sobre Getúlio Vargas.
Mas embora Tony Ramos e Drica Moraes estejam excelentes em suas interpretações, é marcante que os maiores responsáveis pelo belo resultado final são o diretor João Jardim e a produtora executiva Carla Camurati, que se beneficia de sua extensa experiência no cinema. Jardim, que já havia demonstrado seu talento no documentário Lixo Extraordinário, confirma que tem bom timing para o drama, mais especificamente para o thriller. Getúlio é em muitos momentos angustiante, claustrofóbico e elétrico - com diálogos curtos, mas precisos - mas em outros, sabe construir sensíveis cenas intimistas, especialmente as que demonstram a profunda empatia entre Getúlio Vargas e sua filha Alzira. A produção de Carla Camurati demonstra que teve a preocupação de colocar os atores certos nos papéis certos. Todos os coadjuvantes interpretam muito bem, mas alguns impressionam em sua semelhança física com os personagens da vida real que retrataram, algo que você só poderá conferir se assistir aos créditos finais.