Faroeste moderno do sertão
Sim, eu fui assistir a um filme brasileiro no cinema em meio a uma enxurrada de boas indicações para o Oscar 2016. E sim, eu não me arrependi nem um pouco. Pelas chamadas na TV e pelo trailer, eu já sabia que o filme "Reza a Lenda" seria diferente de toda essa sucata nacional, de drama sem graça a comédia falastrona, que surge por aí. Mas chegar à sessão e ver, já na primeira cena, um take de ação delirante, com direito a perseguição policial em alta velocidade a motoqueiros bandidos do sertão, com cortes perfeitos numa exímia montagem, sem nenhum amadorismo, e que vai culminar num acidente daqueles que te deixa com os olhos arregalados, é algo que já valeu a pena e que você nunca viu no cinema brasileiro.
O filme do diretor estreante Homero Olivetto é assim: um verdadeiro filme de ação, cuja comparação com blockbusters de enormes orçamentos já até surgiram - falaram até que é um "Mad Max" nordestino. Também não é pra tanto... Só demos aquela abrasileirada, certeira, eu diria. A caatinga e o sertão, amplamente retratados em nossos filmes, agora são cenários de um faroeste do cangaço, onde até o "fim do mundo", nas palavras de um dos personagens, precisa de uma solução. E é por meio da fé, e da crença a uma lenda do sertão, que a bandidagem de anti-heróis tenta chegar a esse desfecho.
Explicando o roteiro: a trama gira em torno de uma santa de ouro que, segundo uma tal lenda, faz milagres. Um grupo de bandidos motoqueiros, liderados por Ara (Cauã Reymond), rouba a santa - que pertence ao cruel fazendeiro Tenório (Humberto Martins) e é exposta por ele num morro com entrada paga - e a leva para uma capela no meio da caatinga, onde eles acreditam piamente que aquele ato vai trazer a tão esperada chuva pro sertão. Ara tem que lidar com uma refém, Laura (Luisa Arraes), com o ciúme doentio de sua mulher cabra macho, Severina (Sophie Charlotte), e com os capangas do poderoso sertanejo, que vão em busca da santa. Numa narrativa cheia de nuances e que seguram sua atenção pelas tramas entrelaçadas, as cenas de ação pipocam na telona, somadas a uma trilha que vai desde as batidas pesadas do rock e hip hop até o som característico das sanfonas nordestinas.
Você viu que só falei coisa boa do filme, né? E se aprofundarmos ainda mais na tradição do nosso povo, a produção fica ainda mais interessante. Uma população sofrida que quer o mínimo - a água - e não tem onde recorrer, senão aos céus, só lhe resta a fé. É tanta dor que, em certo momento, o personagem de Cauã diz: "Deus não castiga sem motivo. A gente sofre é por alguma razão". Parece que eles sentem e aceitam a arbitrariedade divina, porém, buscam remediar à maneira deles. Justiceiros velozes podem, sim, tentar trazer a esperança de volta para o povo. "Se é na fé que mora a força do homem, e apenas os fortes têm fé, só os corações grossos vão sobreviver".