Com uma história bem simples e forte apelo regional, Cine Holliúdy provavelmente é o primeiro filme brasileiro - quem sabe do mundo! - com legendas para o seu próprio idioma. Parte disso se deve à velocidade de fala do povo nordestino, proporcional à sua velocidade de raciocínio, que pode deixar os mais desacostumados perdidos, pensando se tratar de uma língua estrangeira – falo isso por experiência própria não de quem escuta, mas de quem fala. Muito divertido e agradável de acompanhar, traz ainda uma bela mensagem sobre a situação dos cinemas no Brasil. Mas seria um filme apenas para quem tem alguma identificação com a cultura nordestina? Sente na frente da sua TV telefunk colorida de 12 faixas e tire a dúvida!
A simplicidade do enredo nem de longe tira a brilho de Cine Holliúdy. É de fato um filme pequeno, com suas limitações, porém com um propósito grandioso. Conta a história de uma família do interior do Ceará que resolve, mais uma vez, largar tudo e ir para Pacatuba tentar abrir um cinema e viver da grande paixão de Francisgleydisson, patriarca da família, paixão está que já se manifesta forte no filho. E estamos falando de um cinema precário, parecido com aquele feito pelos irmãos Lumière no final do século retrasado. O começo com a apresentação dos personagens já mostra ao espectador toda a criatividade que ele está prestes a vivenciar: nomes como Francisgleydisson e um sagui denominado “afilhado de King Kong”. E como não rir de expressões como “mão de peia”, “cãibra no pulmão”, “bibelô de macumba”, “baitolagem medonha”, “chicletim de baleia” ou “pleura central da peridural”? Ou da tradução dos títulos dos filmes apresentados por Francisgleydisson, onde Godzila se transforma em Calango do Cão? Muito mais interessante do que as traduções do barulho dos filmes da sessão da tarde. É um raciocínio aguçado, delicioso de presenciar. Você só verá um povo tão sagaz quanto o nordestino quando o papa casar, te garanto. Um povo sofrido, ingênuo a ponto de se impressionar com coisas que aparecem nos filmes e que não impressionam nem uma criança de dez anos, mas que deveriam, sim, ser impressionantes. Um povo que celebra as coisas simples da vida, como uma inauguração de um banco...de praça, por um prefeito desonesto, que usa palavras complicadas e desconexas em frases de discursos para tirar proveito desse mesmo povo que, mal sabe ele, apesar de todas as dificuldades, ainda praticam sem titubear preceitos importantes tão em desuso hoje em dia. Sim, Cine Holliúdy mostra, por exemplo, a importância de a família estar sempre junta nas dificuldades e adversidades, além de mostrar também toda a criatividade e perseverança do nordestino para sair desses momentos complicados. E mesmo com todas estas belas lições, o que marca de verdade é a mensagem da magia do cinema. Cine Holliúdy é um Cinema Paradiso brasileiro. Levar o cinema é levar o sonho, como bem diz o personagem principal do longa.
Os atores são um espetáculo à parte. Eles interpretam eles próprios, com uma simplicidade absurda. Colocá-los para fazer um papel mais profundo, que exige mais de um ator? Muito provavelmente não se sairão bem. Mas o que importa é que neste filme eles cumprem e bem o seu papel de convencer o espectador. A reação da plateia
na cena final do filme, contada por Francisgleydisson devido a um problema com o projetor
, exemplifica com chave de ouro como a atuação de todos os atores se encaixa bem com o filme. É algo que vem de dentro, espontâneo, que parece não ter vindo de um roteiro. O espectador fica emocionado ao mesmo tempo em que não consegue segurar a gargalhada. E graças a deus que em todo final de filme, todo vilão é morredor e piada com cego nunca perde a graça!
Será que o cinema vai acabar por causa da televisão? No fim a dúvida que tanto atormenta os amantes de cinema em Cine Holliúdy também assola os cinéfilos da vida real. A mensagem que fica não poderia dar uma resposta melhor a essa questão: a vida não tem sentido sem histórias. Cine Holliúdy um filme que cumpre bem o seu papel de divertir e vai além, mostrando uma realidade triste para quem ama se emocionar na sala escura. Recomendadíssimo. Tuends.