Foi inevitável a sensação de estar vendo um sonho de infância quando entrei no cinema para assistir este filme na última quarta-feira. Os meus (e de muitos outros, é claro) dois super-herois favoritos reunidos pela primeira vez em um filme live action – de fato, era um encontro épico, algo que esta merecendo todo enfoque que o público e mídia vêm dando nos últimos dias. E isso, com certeza, está deixando passar muitos dos defeitos que o filme tem – mas também consolidando os acertos do longa de Zack Snyder, que acaba sendo o maior responsável pela irregularidade deste primeiro e pretensioso filme de origem da tão esperada adaptação da Liga da Justiça da DC Comics para os cinemas.
Ao contrario do Universo Cinematográfico da Marvel, a DC / Warner Bros. não conseguiu criar longas com todos os heróis que se envolveriam em um posterior filme reunindo o grupo – a trilogia do Batman de Christopher Nolan não dava “gancho” nenhum para isso / Superman Returns foi um fiasco / Lanterna Verde foi pior ainda. Com o ótimo e bem sucedido O Homem de Aço em 2013, a coisa começou a tomar alguma forma. Revelando um tom mais sombrio e realista do que o empregado nos filmes da editora e estúdio rival, o primeiro filme solo do Superman misturou os conceitos de ficção cientifica com o tom épico realista que Christopher Nolan tinha utilizado nos filmes do Cavalheiro das Trevas, e acertou.
Para Batman v Superman, temos Christopher Nolan retornando agora apenas como produtor executivo e o roteirista David S. Goyer no mesmo cargo de novo. Iniciando o argumento com um conflito entre os dois heróis de forma bem criada e lógica, o que acaba atrapalhando o roteiro é, sem duvida alguma, o excesso de introdução de personagens. A começar pelo próprio Batman, que na pele do galã Ben Affleck confere um ar (proposital, inclusive) de ser um homem mais maduro, já vivendo há anos como o Homem Morcego – é de escolha do espectador decidir se aquele Batman interpretado por Christian Bale seria o mesmo que Affleck interpreta. Apostando em cenas de sonhos para expressar sentimentos dos dois heróis, mas com mais relevância para o Cavalheiro de Gotham, o filme perde o ritmo em todas elas – na verdade, a única sequência de sonho que realmente tem função para a trama é a que acontece na abertura, mostrando o assassinato dos pais do jovem Bruce Wayne.
Começando a ação já a partir da briga que finaliza O Homem de Aço, com Superman e Zod destruindo quase toda Metropolis, o filme já mostra da onde vêm o ódio de Batman por Kal-El – Wayne teme que a força e poderes descomunais de Clark tornem-se algo prejudicial a toda a humanidade. Enquanto isso, meses após o incidente, Superman se vê envolvido em um conflito armado entre traficantes no oriente médio, que o faz ser questionado pela sociedade de seu verdadeiro papel no mundo – batendo de frente com os experimentos científicos perigosos desenvolvidos pelo milionário Lex Luthor (Jesse Eisenberg), interessado em lucrar em experiências cientificas e com o desenvolvimento de armas, tentando influenciar uma importante senadora norte americana (Holly Hunter), que pode ajudar a autorizar maiores patrocínios para Luthor pesquisar as tecnologias Kryptonianas da nave do general Zod. Aos se debaterem nessa questão, o encontro dos dois super heróis se torna cada vez mais evidente, com Wayne duvidando da confiança Clark e este sendo contra os métodos extremamente violentos que o Batman utiliza para combater o crime em Gotham City – ao colocar o Superman como um Deus para alguns e uma ameaça para outros, o roteiro reforça uma idéia de conflitos de opinião religiosa, política e moral realmente interessante, mesmo não sendo totalmente bem desenvolvidos por roteiro e direção.
De fato o brilhantismo do filme fica para o embate psicológico e físico entre os dois: através das boas atuações de Cavill (cada vez mais a vontade no papel) e de Affleck (calando a boca de muitos que duvidaram de seu potencial para o papel) o confronto dos dois, aparentemente, demora para acontecer, mas quando acontece não decepciona – o nível técnico de Batman Vs Superman é realmente excepcional, acertando da mesma forma que foi feito em Man of Steel, onde eventuais cenas onde o absurdo da ação era impossível de ser filmado sem se mostrar os pixels envolvidos, era compensado pelo uso realista dos movimentos de câmera e enquadramentos – o novo filme também é um primor de fotografia, com excelente iluminação e ambientações, que remetem aos sentimentos de cada um dos heróis – seja pela Batman Caverna sombria e enorme de Bruce Wayne ou o mundo apertado do apartamento de Lois e Clark – e a grandiloqüência do laboratório e mansão de Lex Luthor – tal diferenciação acontece no belo e expressivo trabalho (mais uma vez) do compositor Hans Zimmer, que junto do DJ e produtor Junkie XL, traz ótimos acordes novos para o tema do Homem Morcego, em uma bela mesclagem com o belo tema que havia criado tão habilmente em O Homem de Aço – sua trilha-sonora é responsável por salvar até alguns momentos onde Snyder não soube ou não teve criatividade para impactar – atente para a primeira aparição da Mulher-Maravilha para entenderem o poder que um bom tema tem sobre o filme (e o público, que realmente vibrou nessa parte na sessão em que fui) e também para a falta de emoções nas imagens finais, já que o excesso de conflitos não dá nem espaço para o espectador conseguir realmente se emocionar no dramático final do longa – inspirado em uma famosa edição de uma das revistas de um dos super heróis.
E é ai que chegamos, de novo, no maior problema do filme: o excesso de personagens e conflitos; esta é a parte onde notamos as falhas do roteiro de Goyer e a falta de habilidade de Snyder em desenvolver temas – toda a temática do roteiro se perde pelo diretor não dar o enfoque necessário, deixando todo como pano de fundo, coisa que Nolan era habilidoso em deixar evidente por todos os filmes de sua trilogia do Batman – o tiro saiu pela culatra nesse requisito: se os filmes da Marvel não conseguem ter temas sérios ou passar de meros escapismos, Batman v Superman falha em sua ambição séria por um evidente desentrosamento entre as idéias de diretor e roteirista, onde temos um primeiro excessivamente preocupado em conferir um visual fantástico, sem se importa com os temas explorados pelo roteiro do segundo, que também não acerta completamente por, aparentemente, esquecer de desenvolver melhor os demais personagens novos – o Lex Luthor de Jesse Eisenberg é uma leitura incrivelmente exagerada de versões de desenho animado do vilão, o que deixa o ator indicado ao Oscar por seu Mark Zuckerberg em A Rede Social, com cara de um canastrão interpretando um cientista louco, que acaba sendo responsável pelos piores e estapafúrdios diálogos do filme (o pior deles envolvendo um copo de urina...) – e ao sugerir que a maldade do personagem é motivada por traumas de infância com o pai acaba dando um ar ainda maior de superficialidade. E o que dizer da Mulher Maravilha de Gal Gadot, que não tem função NENHUMA na trama? Não dá nem para dizer se a atriz foi bem ou não, tamanha a falta de importância de sua personagem para o filme – remediada um pouco no conflito final e por ser uma promessa para a formação da Liga da Justiça. Este enfoque errado enfraquece até quem faz seu papel bem na história: sobra pouco para as atuações de ótimos coadjuvantes como a Lois Lane da talentosa Amy Adams, ou a Martha Kent de Diane Lane, o Perry White de Laurence Fishburne e o mordomo Alfred de Jeremy Irons, responsável pelos melhores diálogos do filme, quando aconselha o patrão Wayne durante os conflitos.
Mas o que justifica este longa ser um bom filme ainda, tirando a própria mitologia e fama dos icônicos personagens-titulos ? Há realmente um numero de referencias aos quadrinhos que farão muitos fãs delirar, mas ainda assim não soarão bem para quem não está preocupado com isso. Filme é filme. HQ é HQ. Mas o fato dessas referencias serem parte do imaginário da infância e adolescência de muitos, torna o filme interessante, por notarmos que pelo menos a intenção do filme é boa: a Warner/DC está realmente disposta a levar mais a sério e dar temas atuais e relevantes a seus filmes, que mesmo funcionando regularmente aqui, ainda merecem crédito pela tentativa, que pode ser aprimorada nas próximas aventuras – um corte de cenas de pelo menos meia hora já ajudaria muito o filme, mas acredito que a produção apresente maiores acertos do que o segundo filme dos Vingadores, por exemplo – e, sinceramente, ainda é melhor que alguns filmes apenas apelativos de humor e conflitos bobos que a Marvel lançou nos cinemas, como Thor 2, Homem de Ferro 3 ou Homem-Formiga.
Batman Vs Superman representa um passo para um filme que pode ser muito bom ou muito ruim. Mas mantendo o foco somente no longa de Zack Snyder aqui, temos um filme onde os dois maiores super heróis de todos se envolvem em um combate que já vale o ingresso e justifica toda atenção que vem despertando no mundo – Cavill e Affleck (este principalmente, se redimindo de seu desastroso Demolidor de anos atrás) agradecem, mas será necessário desligarmos nossos cérebros para deixarmos de lado os problemas com o desenvolvimento de personagens, ritmo e idéias – conferindo ao longa um ar de que poderia ser melhor – ou pelo menos mais curto. No mais, é um filme divertido, bem humorado e com ótimas cenas de ação, que senão melhorar bastante nos próximos capítulos pode representar, realmente, um deslize para a DC/Warner.
O sonho de infância foi realizado, não do jeito que deveria, mas foi realizado.