Dia versus Noite, Deus versus Homem. De fato, eles são os dois super-heróis mais conhecidos do mundo. E eles já tiveram várias oportunidades de arrastar multidões aos cinemas, mas em nenhuma delas juntos no mesmo filme. Então não é de se admirar que o confronto entre esses dois gladiadores fosse o mais aguardado eu diria, da história dos filmes de super-heróis. Baseado em alguns HQs como "O Cavaleiro das Trevas" (1986) e "A Morte de Superman" (1992), os eventos do filme acontecem a partir do final de "O Homem de Aço" (2013), dirigido pelo mesmo Zack Snyder.
No filme anterior, houve uma batalha colossal entre Superman e o General Zod na cidade de Metrópolis e a devastação por conta do combate praticamente reduziu o lugar às cinzas. Como em toda sociedade, esse ato heróico agradou muitas pessoas cujas famílias foram salvas, mas gerou uma grande revolta não só nas famílias das vítimas, como chamou a atenção da política e principalmente do vizinho de Gotham, o Homem-Morcego, devido ao enorme poder de destruição em massa do filho de Krypton. Na opinião de Batman, o Superman representa um perigo enorme à sociedade, temendo que futuramente o alienígena possa ficar fora de controle e voltar-se contra os seres humanos. Neste filme, o embate entre os dois não é tão longo quanto poderia, mas a batalha é cheia de intensidade. As motivações são plausíveis, a preparação do Batman é espetacular, mostrando a preocupação do diretor Snyder (que também é muito fã das HQs) de se aproximar ao máximo dos quadrinhos e fazer um genuíno filme de super-heróis. A luta entre eles é extremamente empolgante e é normal que o Batman/Bruce Wayne ganhe mais destaque, por conta do (novo) personagem estar sendo introduzido no universo.
Falando nisso, mesmo o filme sendo feito com o objetivo de estabelecer um novo universo para a DC, anunciando o filme da Liga da Justiça que virá em 2017, de certa forma "Batman vs Superman" apresenta uma continuidade para o Batman da trilogia de Christopher Nolan (apesar de Bale ter se aposentado no fim da trilogia). O Bruce Wayne/Batman de Ben Affleck está mais velho e já aceita melhor o fato de que muitas vezes os fins justificam os meios, além de estar visivelmente desgastado com perdas (como Robin) e mais conformado com uma possível morte em batalha, após vinte anos de combate. Contrariando muita desconfiança, Affleck interpreta com muita segurança, transitando perfeitamente entre os dois papéis do Cavaleiro das Trevas, muito mais duro, sério e até intimidador em alguns momentos. Ele é auxiliado apenas por Alfred (Jeremy Irons), que aqui tem um papel também de auxiliar operacional, além de ser mordomo e de sua costumeira preocupação paternal com o herói.
Já o Superman de Henry Cavill basicamente mantém a mesma persona do filme anterior, mas seu drama no filme é ter que conviver com o dilema - bastante recorrente entre os super-heróis - de desejar levar uma vida dupla, tendo família e namorada, mas ao mesmo tempo salvando o mundo. E não demora muito para que o próprio herói perceba os danos colaterais causados por suas ações bem intencionadas. Idolatrado pela população que o vê como símbolo de esperança, pressionado pelo senado que o teme como uma ameaça, Cavill já parece ter achado seu Superman ideal, embora ainda continue buscando um Clark Kent que pareça mais relevante e menos artificial.
"Batman vs Superman" é um filme feito para os fãs. Durante sua longa exibição há vários momentos capazes de deixar o espectador de boca aberta. Como era de se esperar, a estética do filme carrega a marca registrada do diretor Zack Snyder. Temos planos detalhes em objetos como pistolas, colares, etc. acompanhados de slow motions dramatizando a ação, muito semelhante ao que fez em "Watchmen" (2009). Entretanto, a trilha não se assemelha por não utilizar canções conhecidas, mas mesclar a tradicional orquestra de Hans Zimmer com uma pegada rock que deu muito certo, com Junkie XL praticamente revivendo seu trabalho na trilha sensacional de "Mad Max: Estrada da Fúria" (2015). De modo geral, as cenas de ação são excelentes mas a que se destaca é a sequência do deserto, em meio a uma pancadaria do Batman com uma série de adversários, na qual o diretor trabalha a continuidade da cena numa coreografia muito bem ensaiada. O resultado é animal. Como os trailers já deixavam bem escancarado, o vilão Doomsday (Apocalypse) aparece, resultado de uma experiência com os restos mortais do General Zod. Talvez o resultado dessa nova origem do vilão incomode algumas pessoas mais apegadas à história original, e apesar de um leve exagero no CGI, as cenas de luta entre a Santíssima Trindade e o monstrão de poder devastador são épicas, especialmente quando a Mulher Maravilha aparece utilizando os braceletes. Fica difícil conter a vontade de aplaudir de pé.
Apresentando outros personagens principais do filme (que não são poucos) temos Lex Luthor (Jesse Eisenberg), como um personagem interessante e arriscado, pois foge do estilo aristocrata e elegante para compor um visual bem mais despojado e jovem. Sua sagacidade e espírito visionário ficam bastante claros pelo estilo do personagem, que diz o que todos sabem, mas ainda relutam em acreditar: os alienígenas se voltaram para a terra e agora não há mais como se esconder. Mas depois de um tempo isso incomoda, pois o tom da sua atuação é um pouco exagerado. Novamente Lois Lane (Amy Adams) também não agrada, especialmente porque neste filme ela tem um papel de muito mais destaque e carga emocional. A atriz (que é muito boa) consegue ser bastante eficiente interpretando a jornalista, mas a falta de química com Cavill, somado ao fato do ator ainda não convencer como Clark, coisas que não contribuem para sua performance. Holly Hunter e Gal Gadot impressionam como a senadora Finch e Diana Prince/Mulher Maravilha, respectivamente, embora tenham pouco tempo na tela, considerando que o filme tenha 2 horas e meia de duração. Já Lawrence Fishburne como Perry White, chefe do Daily Planet, é um personagem raso e mal aproveitado.
É claro que o filme tem problemas, e consegui identificar o que mais me incomodou. Inevitavelmente, a franquia Nolan elevou demais o nível dos filmes de super-heróis e nos tornamos mais exigentes. No caso de "Batman vs Superman", parece que tudo o que a Marvel teve pelo menos cinco filmes para estabelecer em seu universo, tentaram fazer todas as referências, deixaram algumas pontas e tocaram em alguns assuntos tudo de uma só vez neste filme. E quem mais sofreu com isso foi o montador David Brenner (Vencedor do Oscar por Nascido em 4 de Julho), que ok, teve bastante tempo para trabalhar, mas em compensação teve um grande desafio pela frente. Como já ensinava o mestre Walter Murch em um dos seus livros, quanto mais material houver para trabalhar, naturalmente mais alternativas têm de ser consideradas. Claro que isso é algo óbvio, mas que leva ao ponto essencial deste comentário: o corte. O corte é o momento decisivo que determina a transição de um plano para o seguinte.
Geralmente em um filme, quando um deslocamento visual (corte) acontece, o espectador é forçado a reavaliar a nova imagem com um contexto diferente. Eu imagino que a maioria das críticas que o filme tem recebido quanto a problemas de storytelling ou até de direção, na verdade se referem a essa troca constante de direcionamento da história, que como ocorre de forma abrupta não dá tempo suficiente para que o espectador (especialmente os não familiarizados com o universo de HQs) absorvam por completo o que está acontecendo no momento. Lembrando que - novamente segundo Murch -, há uma escala de prioridades ao se fazer um corte, e o fator que deve sempre ser levado em primeiro lugar é a emoção, pois ela conecta o espectador ao filme. Eu entendo a necessidade de diminuir a duração do filme por determinação do estúdio, mas neste caso algumas sequências de sonhos ou que tentam estabelecer coisas que acontecerão em filmes futuros, por exemplo, poderiam ter sido eliminadas em prol da fluidez do enredo do filme.
Finalizando (pois a crítica está ficando tão longa quanto o filme), o saldo final de "Batman vs Superman" é de um filme muito bom, capaz de surpreender em alguns momentos, que tem a essência dos quadrinhos através um tom mais sério e uma paleta extremamente sombria. Individualmente ou em conjunto, a Trindade funciona muito bem e empolga para filmes futuros. Embora eu pense que a versão estendida melhore ainda mais o resultado final, o filme falha um pouco por atirar em várias direções sem ter a preocupação de que quantidade não é qualidade (há um email bem polêmico, assim como os símbolos da Liga da Justiça que aparecem misteriosamente). Pode não ser um defeito, mas ficou mal explicado. De qualquer forma, relevando alguns detalhes, é um filme de super-heróis pra ninguém botar defeito e aumenta ainda mais a ansiedade para conhecermos o futuro desse universo maravilhoso chamado DC Comics.