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    Dois Dias, Uma Noite
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Dois Dias, Uma Noite

    Ir à luta

    por Francisco Russo

    Responda rápido: você abriria mão de um bônus do salário para que outra pessoa pudesse manter o emprego?

    Conhecidos por seu cinema bastante humano e intimista, os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne desta vez voltam o olhar para um problema grave que tem afetado a Europa nos últimos tempos: o desemprego. É o que acontece com Sandra, vítima de uma votação insólita realizada na empresa em que trabalha(va): os demais funcionários decidiram que ela deveria ser demitida para que eles pudessem manter seu bônus anual. Só que a decisão final apenas será sacramentada na segunda-feira, o que dá a ela a chance de reverter a situação ao longo do fim de semana. É justamente o período o título, uma corrida contra o relógio não apenas para manter o emprego, mas também resgatar sua auto-estima. E é neste ponto que entra em cena a grande atuação de Marion Cotillard, a alma do filme.

    A bem da verdade, os Dardenne estão mais interessados é em apresentar um retrato do capitalismo atual ao contrapor os interesses pessoais com a solidariedade. Para tanto coloca como elo central uma mulher fragilizada, que precisa encontrar forças sabe-se lá de onde para reagir, tudo em nome não apenas de si mas de sua família. Trata-se de uma situação extremamente desconfortável, não apenas pela posição de pedinte mas também pelo que está em questão: que as pessoas abram mão do que tem para que outro possa seguir em frente, sem prejuízo do nível de vida. Uma situação que tinha tudo para cair na pieguice, não fosse a caracterização extremamente humana dada por Marion. É através de seu semblante, ora desolado ora empolgado, que passa-se a acompanhar e inevitavelmente torcer para que tamanha batalha não seja em vão.

    Para atingir este objetivo, os Dardenne deixaram de lado o coitadismo em torno da personagem, facilmente adequado a este tipo de situação, e investiram bastante na câmera na mão para transmitir a sensação de realidade. O encontro com os colegas de trabalho, às vezes positivo em outros negativo, faz parte da batalha pelo convencimento e também foge do estereótipo fácil que seria colocar os que se recusam como vilões da história. Alguns até são, mas outros simplesmente têm bons motivos para tanto. Não há pré-julgamento, por assim dizer, apenas o inevitável confronto ideológico que muito tem a ver com o que se pensa e espera da própria vida.

    É bem verdade que para nós, brasileiros, Dois Dias, Uma Noite provoca alguma estranheza. Especialmente pelo nível de vida da família de Marion, com carro e apartamento, uma condição bem melhor do que a de boa parte da população. Este contraste é gritante em certos momentos, mas é preciso também levar em consideração as diferenças no estilo de vida (e também na economia e tamanho da população) entre o Brasil e a Bélgica. Apenas desta forma é possível aceitar o temor existente em Sandra e seu marido, por mais que seja inevitável imaginar como seria uma história diferente caso se passasse em território nacional.

    Dois Dias, Uma Noite é um filme bastante sensível e incisivo sobre as aspirações pessoais em uma realidade onde o consumismo e o individualismo imperam. Bastante enxuto e até emocionante em certos momentos, o longa-metragem usa Marion Cotillard como grande trunfo na tentativa de despertar alguma reflexão sobre o mundo que vivemos. Muito bom.

    Filme visto no 67º Festival de Cannes, em maio de 2014.

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