Retrato de um artista
por Francisco RussoMike Leigh é um diretor peculiar, que gosta de trabalhar com o mesmo grupo de atores e, muitas vezes, define o roteiro no próprio set de filmagens. Seu método de filmar costuma resultar em longas bastante humanos, como Segredos e Mentiras, Simplesmente Feliz e O Segredo de Vera Drake, que muitas vezes apostam na sensibilidade e na emoção. Mr. Turner retoma uma outra faceta do diretor, menos vista, que é a do rigor estético ao retratar o universo artístico. No caso, a vida do pintor inglês J.M.W. Turner, que se notabilizou pelo uso da cor e da luz em suas obras.
Diante desta proposta, Mr. Turner remete a um trabalho mais antigo do diretor, Topsy-Turvy - O Espetáculo, que abordava os palcos de ópera ingleses. Em seu novo filme, Leigh busca não apenas apresentar a rude personalidade do cinebiografado mas também expor o ponto de vista de sua obra – daí vem a importância do rigor estético. Em vários momentos a narrativa é deslocada para que o espectador possa apreciar a obra de Turner, não apenas através de suas pinturas mas especialmente através da belíssima fotografia de Dick Pope, que busca recriar o tom de luminosidade e as condições atmosféricas presentes nas principais obras do homenageado. A importância de tal recriação é tamanha que Leigh, de vez em quando, chega a paralisar o andamento da narrativa apenas para que o espectador possa apreciar a beleza da imagem.
Com tanto interesse nos traços de J.M.W. Turner, o filme como um todo acaba sendo muito mais voltado para seu lado artístico e deixa um pouco de lado a vida do pintor. Que até é apresentada através de características peculiares, como a rabugice e a importância dada ao dinheiro, e o modo como Turner trata as pessoas à sua volta, com uma agressividade típica da primeira metade do século XIX, especialmente em relação às mulheres. É neste ponto que brilha Timothy Spall, com uma recriação precisa que ressalta os maneirismos tão marcantes na personalidade de Turner. Seu tradicional grunhido acaba se tornando uma marca registrada do filme, até mesmo pela forma como é utilizado para substituir diálogos. Entretanto, a grande atuação do longa-metragem é de Dorothy Atkinson, que impressiona pelas dificuldades físicas e a ternura demonstrada pela empregada Hannah.
Por mais que seja um filme bastante interessante pelo lado estético, e conte também com boas atuações, o grande pecado de Mr. Turner é o exagero. Os 150 minutos (2h30) soam longos demais para um filme cujo interesse está bem mais em ressaltar as qualidades artísticas de J.M.W. Turner do que em propriamente contar uma história. Ainda assim, é um filme para ser apreciado: por Spall, por Atkinson e, principalmente, por Dick Pope, que merece – e muito – uma indicação ao Oscar por seu trabalho neste filme.
Filme visto no 67º Festival de Cannes, em maio de 2014.