Desde a sua estreia em 4 de maio de 1977, a saga espacial Star Wars (que, na época de seu lançamento no Brasil e em outros países de língua portuguesa, era chamada Guerra nas Estrelas), criada pelo diretor, roteirista e produtor estadunidense George Lucas, tem feito a delícia de fãs, cinéfilos e apreciadores de filmes em geral, além de ter revolucionado e mudado para sempre a história do cinema – algo que foi muito mais do que o seu criador imaginava. Tão estrondoso sucesso foi além da tela grande gerando produtos tais como histórias em quadrinhos, brinquedos, livros, jogos para videogames e também “spin-offs”, isto é, filmes gerados a partir da produção original e cujas histórias estão ligadas direta ou indiretamente a ela. Como exemplos, temos os filmes feitos para a TV dos personagens Ewoks (que apareceram pela primeira vez no sexto episódio da saga, O Retorno de Jedi, em 1983), Caravana da Coragem (1984) e A Batalha de Endor (1985); e a série de desenhos animados Droids (1985-1986), que mostrava as aventuras atrapalhadas dos androides R2-D2 e C-3PO; e para o cinema, temos a animação Star Wars: Clone Wars (2008, que gerou uma série televisiva de mesmo nome) e, o mais novo filme desse universo: Rogue One: Uma História Star Wars.
Cerca de 30 anos após a queda da República Galáctica e a ascensão do Império comandado pelo Lorde Sith Paltine e seu aprendiz, Darth Vader (tal como foi visto no terceiro episódio da saga, A Vingança dos Sith), uma Aliança Rebelde, tendo à frente o senador e vice-rei do planeta Alderaan, Bail Organa (o estadunidense Jimmy Smits, a reprisar o papel que interpretou nos episódios II e III), foi formada para combater esse tirânico governo. Galen Erso (o dinamarquês Mads Mikkelsen, de 007 – Cassino Royale), um antigo fabricante de armas, é recrutado à força pelo almirante Orson Krennic (o australiano Ben Mendelsohn, de Êxodo: Deuses e Reis) para trabalhar na mais nova arma imperial, a Estrela da Morte. A princípio, Galen se recusa na fazer isso, mas cede após ver a esposa ser assassinada. A sua pequena filha, Jyn, foge e é salva pelo rebelde extremista Saw Guerrera (o estadunidense Forest Whitaker, de O Último Rei da Escócia).
Já crescida, Jyn (a inglesa Felicity Jones, de A Teoria de Tudo) é presa por ajudar na fuga de Bohdi Rook (o rapper inglês Riz Ahmed, de O Abutre), um piloto desertor do Império. Eles são salvos por Cassian Andor (o mexicano Diego Luna, de Elysium), um agente rebelde que está sempre acompanhado de K-2SO (o estadunidense Alan Tudyk, de Zootopia), um androide imperial que foi reprogramado. Cassian conduz ambos para o QG da Aliança Rebelde, que pede que resgatem Galen. Jyn e Bohdi concordam e ainda terão ajuda do guerreiro cego, místico e que acredita na Força, Chirrut Imwe (o chinês Donnie Yen, de Blade II), e de seu camarada, Baze Malbus (o também chinês Jiang Wen, de A Fundação de Uma República).
Quando Rogue One foi anunciado muitos dos fãs achavam que seria um pastiche da saga e uma produção barata com o único propósito de arrancar dinheiro deles. Entretanto, para agradável surpresa geral, o filme não só é uma superprodução (custou cerca de U$ 200 milhões), como também é uma história, ao mesmo tempo original e familiar, pois tem ligação direta com o episódio IV, o que deu início a esse mundo maravilhoso criado por Lucas.
Essa semelhança e diferença simultâneas podem ser vistas logo no início quando aparece a famosa frase “Há muito tempo atras, em uma galáxia muito, muito distante...” e, em seguida, o título, mas o famoso letreiro com uma pequena introdução à trama não surge, indo diretamente para a história a ser contada.
Uma outra diferença que acaba se tornando uma boa sacada é mostrar que heróis, algumas vezes, não são tão puros como se costuma pensar, mesmo quando estão a lutar por uma causa nobre. Não raro, agentes de movimentos de rebelião e/ou resistência tem que fazer trabalhos sujos tais como atentados e assassinatos de inimigos, tudo em nome dessa causa...
Vindo da televisão, o diretor galês Gareth Edwards está apenas em seu terceiro filme para o cinema (seus primeiros trabalhos na direção foram o elogiado Monstros, em 2010, e o reboot de Godzilla, em 2014), mas parece um veterano no que diz respeito ao universo de Star Wars. Sua direção é precisa, tanto na direção de atores quanto nas cenas de ação e combates no espaço. Ao vermos estas cenas com as espaçonaves, elas nos fazem imaginar que são como George Lucas teria sonhado quando estava em processo de criação de sua ideia.
Ao longo de Rogue One há diversas referências ao primeiro filme, que inclui a aparição de personagens menores como, por exemplo, os marginais que encrencam com Luke Skywalker no episódio IV, e de personagens fundamentais, como os androides C-3PO e R2-D2, que são rapidamente vistos. Há um verdadeiro clima retrô que pode ser notado nos cenários, em particular no interior da Estrela da Morte. Mas que ninguém se engane: os efeitos especiais são de primeiríssima linha.
Uma outra semelhança com o primeiro filme são a presença de atores em ascensão nos papéis principais com coadjuvantes consagrados. Se no episódio IV havia a presença de Alec Guiness - que foi indicado ao Oscar pela sua interpretação do Jedi Obi-Wan Kenobi - e Peter Cuhing (sobre quem falaremos mais adiante), Rogue One tem Mads Mikkelsen e Forest Whitaker. O dinamaquês confirma sua fama de ator intenso e consegue dar credibilidade ao angustiado e torturado constantemente pelo remorso Galen Erso. Já Saw Guerrera, o personagem de Whitaker, tem presença marcante como um guerreiro fundamentalista e de atitudes extremas.
Do elenco principal, Felicity Jones é quem tem a participação mais apagada. Não é que ela esteja ruim, mas falta em sua atuação mais força para a personalidade e a presença de espírito que a sua personagem, Jyn Erso, exige.
Diego Luna, por seu lado, convence como o agente rebelde Cassian Andor que, se necessário, se utilizará de todos os métodos – lícitos e ilícitos - que estiverem ao seu alcance para que a missão seja bem-sucedida, mas que, nem por isso, deixa de ter consciência.
O androide K-2SO, de Alan Tudik, consegue rivalizar com C-3PO como o mais irritante da galáxia, embora o primeiro tenha um cinismo que o androide interpretado por Anthony Daniels jamais sonhou ter algum dia.
Mas, para mim, o grande personagem do filme, aquele que rouba as cenas em todas as vezes que aparece, é Chirrut Imwe. O guerreiro cego interpretado por Donnie Yen, um astro de filmes de artes marciais, tem as melhores cenas e as melhores falas. Quando George Lucas criou os cavaleiros Jedi, inspirou-se nos monges zen budistas. E Chirrut é, definitivamente, zen, seja em seus mantras (“Eu sou um com a Força. A Força está comigo”), seja nas lutas.
Chirrut Imwe chega a lembrar um aspecto da personagem bíblica Nicodemos, o príncipe dos fariseus que teve um encontro noturno e secreto com Jesus Cristo. Neste episódio do Novo Testamento (que pode ser vista em João 3: 1-21), Nicodemos entendia apenas em parte a missão de Jesus no mundo, mas tinha certeza que o Rabi de Nazaré vinha da parte de Deus. Com Chirrut ocorre algo semelhante: ele compreende apenas parcialmente a Força, mas sabe que ela existe, tem um verdadeiro sentimento religioso por esse poder dos Jedis, o que gera-lhe uma fé inabalável nessa energia que cerca todas as coisas vivas. Não estranhem se, futuramente, Chirrut Imwe ganhar um filme próprio.
O “parça” de Chirrut, Baze Malbus, que, absolutamente não tem as mesmas crenças do seu amigo cego, age como uma mistura de Sancho Pança (do livro clássico Dom Quixote, do escritor espanhol Miguel de Cervantes) com Dr. Leonard McCoy (da saga Star Trek), dando o toque cômico ao filme. Mérito de Jiang Wen.
Ben Mendelsohn faz do almirante Krennic um vilão mau e ganancioso, um papel clássico e até clichê, mas feito com muita competência por esse ator da Austrália, o que dá credibilidade a ambos, personagem e intérprete.
E, pegando um gancho do parágrafo anterior, não poderíamos deixar de falar de dois grandes vilões dessa saga: Darth Vader e Gran Moff Tarkin. A presença do primeiro já era esperada por todos, mas, ao contrário do que muitos acreditavam, o seu intérprete nos episódios II e III, o canadense Hayden Christensen, não aparece no papel, tendo sido substituído por Spencer Wilding (de Victor Frankenstein) e pelo dublê Daniel Naprous (da série de TV Game of Thrones) com a habitual dublagem do grande James Earl Jones (A Grande Esperança Branca). A presença do patriarca da família Skywalker em Rogue One é curta, mas marcante, sendo aquele Darth Vader cruel e impiedoso que todos os cinéfilos do mundo conheceram há 40 anos passados. E os mais detalhistas devem ter notado que, no visor da máscara de Vader, é possível ver, pela primeira vez, as lentes infravermelhas!
Uma coisa que surpreendeu-me muito foi a presença de Gran Moff Tarkin no filme e surpreendeu-me mais ainda ver também a presença do falecido Peter Cushing (O Vampiro da Noite) em lugar de um novo intérprete. Para isso foi usada uma fantástica tecnologia digital para colocar a voz e o rosto de Cushing em seu dublê de corpo, o ator britânico Guy Henry (Harry Potter e As Relíquias da Morte Partes 1 e 2). Essa tecnologia não apenas resgatou um personagem clássico como também aumentou a ligação do novo filme com o filme de 1977.
Da mesma forma, foi utilizada a digitalização do rosto de Carrie Fisher (Os Irmãos Cara-de-Pau) em sua dublê de corpo, a norueguesa Ingvild Deila (de Vingadores: A Era de Ultron), para o papel da jovem Princesa Leia, sendo que a própria Carrie fez a dublagem de voz. Com o recente falecimento da filha de Debbie Reynolds (Cantando na Chuva), cresce muito a emoção da plateia nessa rápida aparição da namorada de Han Solo.
Rogue One vai se tornar um clássico da saga Star Wars? Ainda é muito cedo para dizer, mas sem dúvida, é um grande filme, e uma excelente abertura para as comemorações do 40º aniversário da saga assim como para o episódio VIII que irá estrear em dezembro de 2017.