Flores Raras, que conta a história de amor entre uma das maiores poetizas já conhecidas, Elizabeth Bishop, e a famosa arquiteta Lota de Macedo Soares, vai muito além de ser um filme sobre tolerância ou sobre o reducionista título de "romance lésbico". De fato, é uma história real e comovente, e além de tudo isso, universal. Num ano em que tórridos romances entre mulheres estão bastante em alta, o filme de Bruno Barreto triunfa ao tratar com uma sensibilidade ímpar todos os pontos mais tensos dessa trama, sempre conservando, muito respeitosamente por sinal, a alma e aura das duas mulheres históricas que estão sendo retratadas. Mesmo em cenas mais polêmicas, o cuidado permanece. A cena de sexo entre as duas amantes, por exemplo, é muito bonita e até poética.
No que diz respeito à parte técnica, o filme acerta em muita coisa, como por exemplo a fotografia (e a mise-en-scene), muito bem cuidada por Mauro Pinheiro Jr., que tem algumas cenas que são um primor, como por exemplo quando Lota e Bishop chegam a casa depois de terem se beijado pela primeira vez, e a câmera se divide: de um lado as novas amantes, do outro, uma Mary devastada na sala ao lado. A direção de arte situa muito bem o filme na época em que se passa, e os figurinos são igualmente bem feitos. Entretanto, a mixagem de som é falha. Há erros de dublagem que são perceptíveis, e sinceramente, não deveriam frente ao investimento no longa. Em certos momentos conseguimos identificar que tal voz ouvida não é a voz que sai da boca do personagem. Dá uma certa impressão de amadorismo.
Embora ser correta em boa parte do longa, a montagem parece corrida em certas partes do filme, contribuindo para uma falta de desenvolvimento narrativo em algumas situações propostas. O roteiro parece ser sabotado na mesa de edição, principalmente em certas passagens como no início do desenvolvimento de Lota e Elizabeth, ou na paixão repentina que a primeira passa a ter pela segunda. Por mais que a arquiteta diga que o seu relacionamento com Mary estava acabado há muito tempo, o filme não apresentou esse desgaste para o espectador antes, dando a impressão errônea de que Lota estaria dissimulando quando confrontada por sua antiga cônjuge. Também é possível notar uma certa falta de conflito em boa parte do enredo, como se o filme estivesse querendo se alongar mais do que devia.
Tudo isso seria um desastre completo pro filme se ali fossem atrizes menos talentosas e competentes interpretando as protagonistas. Não acontece porque elas estão incríveis, e dão tudo de si. Glória Pires acerta em cheio na composição de uma mulher com trejeitos e ações muito masculinas, e jamais caindo na caricatura comum de atrizes que interpretam esse tipo de personagem. A ambiguidade nos ideais da personagem também é preservada na atuação da atriz. Sem dúvidas, uma grande performance.
Mas o filme é mesmo de Miranda Otto. E não só por girar em torno da poetiza, mas porque a interpretação da atriz é extremamente nuançada e sutil. Então, logo compramos a profunda tristeza que Elizabeth sente por não ter-se conectado a ninguém até conhecer Lota, e conseguimos compreender muito bem o fascínio que aquela mulher forte, decidida e cheia de amor pelo trabalho que faz, provoca na mais frágil. Inclusive aceitando todos os arroubos egoístas e até machistas da companheira.
Por isso é tão bonita a virada que o final nos dá. Lota, a mais forte, quando não tem mais no que se apoiar e percebe que não terá mais o grande amor de sua vida, sucumbe; enquanto isso, a mais fraca, aquela que sempre precisou de rédeas na vida para não sucumbir, simplesmente segue com sua vida. E se vê pronta pra terminar um dos poemas mais bonitos de sua carreira, que resume muito bem a tônica de toda essa história de amor: a arte de perde não é nenhum mistério, mesmo que possa parecer (escreva!) desastre.