Ficção e realidade
por Francisco RussoO cinema, por diversas vezes, serviu de palco para protestos. Seja ao refletir ideologias ou ao simplesmente documentar momentos turbulentos, onde a imagem filmada, mais do que nunca, vale mil palavras. Enclausurado em sua própria casa após ter feito propaganda contra o regime do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad em pleno período eleitoral, o diretor Jafar Panahi protesta da forma que pode e que não pode. O resultado mais recente é Cortinas Fechadas, drama feito na clandestinidade com a ajuda do amigo Kambozia Partovi. Sim, você leu bem: clandestinidade. Porque, além de cumprir prisão domiciliar, Panahi está proibido de rodar novos filmes, escrever roteiros, viajar ao exterior e conceder entrevistas. Por 20 anos.
Diante de tantas restrições, é claro que Cortinas Fechadas não é o filme que ele gostaria de rodar – é o cinema possível de ser feito neste momento de sua vida. Um cinema altamente simbólico, repleto de metáforas que representam o que o próprio diretor sente, muitas vezes mais interessado em mandar recados do que propriamente em contar uma história. O que gera uma situação curiosa: se por um lado o filme possui nítidas limitações de espaço e narrativa, são os mesmos problemas que o tornam tão lírico e impactante. Mas é importante ressaltar: para bem absorver o longa-metragem é preciso ter consciência sobre a atual situação de Panahi. Caso contrário, muito do que é exibido ficará perdido para o espectador.
Um dos eixos centrais do filme é o contraste entre luz e trevas, alusão clara à liberdade e prisão. Se a casa em que o protagonista vive é repleta de janelas enormes e muito bem iluminada, são as cortinas fechadas do título que trazem a escuridão da clausura. Estes mesmos artifícios são explorados em uma situação inusitada: a troca de protagonista. Sim, pois em determinado momento do filme o próprio Panahi salta de trás das câmeras para assumir o papel principal do longa-metragem, interpretando a si mesmo. É neste trecho que surgem os recados mais explícitos, sobre as dificuldades momentâneas e a ameaça do suicídio.
Apresentando takes longos e várias elipses na narrativa, Cortinas Fechadas é um filme intrigante pela mistura de realidade e ficção que se dá na telona, já que a situação de vida do próprio Panahi é a mola mestra do longa-metragem. Diante da situação, é inevitável que paire no ar uma certa melancolia, mas também uma desobediência saudável que o impele a seguir em frente, com o filme e a própria vida. Em sua reta final o longa ainda ganha ares de suspense, já que explora com habilidade a possibilidade do diretor deixar, ou não, a casa onde está enclausurado. Um belo filme, que tem muito a dizer para quem souber ler suas entrelinhas.