Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-velho: Crítica AdoroCinema

“Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar”. Por mais belo que seja, o artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos do Homem em muitos casos nada mais é do que tinta no papel, uma espécie de sonho – utópico? – a ser realizado. A história de Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho acontece na Bósnia, mas poderia ser situada no Brasil, nos Estados Unidos e possivelmente em todos os demais países do planeta. Ele nada mais é do que o retrato do que acontece no mundo capitalista de hoje, em maior ou menor escala dependendo do país em questão.

O filme acompanha um momento dramático de Nazif, o catador do título, que ao levar a esposa ao hospital acaba descobrindo que o bebê que ela espera está morto. Sentindo dores e sangrando, ela precisa ser operada o quanto antes para retirar o feto de seu corpo, caso contrário ela própria pode também morrer. Entretanto, há um “pequeno” problema: o hospital exige que Nazif pague 980 marcos para que a operação seja realizada. Como esta é uma quantia alta demais para o patamar da família, o hospital apenas estanca momentaneamente o sangramento e se recusa a seguir em frente com a operação. Simples assim.

É a partir deste cenário que o longa-metragem ganha uma dimensão maior, já que coloca em questão a saúde supostamente pública, onde apenas quem possui seguro consegue um tratamento digno. O interesse do diretor Danis Tanovic (do vencedor do Oscar Terra de Ninguém) é denunciar esta realidade a partir de uma situação rotineira para a população mais pobre de diversos países. A escolha de não-atores para o elenco vem justamente desta intenção, de ressaltar que são pessoas absolutamente comuns tentando apenas viver da melhor maneira possível e dentro da legalidade. Foi também por este motivo que Tanovic optou por uma narrativa naturalista, com muita câmera na mão, de forma a eliminar qualquer traço de artificialidade.

Entretanto, é importante frisar que Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-velho não tem por objetivo discutir a questão da saúde pública – isto cabe ao documentário S.O.S. Saúde, de Michael Moore. Se por um lado esta opção traz um ar de vida real ao longa-metragem, por outra o torna um tanto quanto simplório. Ainda assim, é um filme interessante pelo tema abordado e também pelos simbolismos espalhados pela história, como a representação do capitalismo através da imagem de imensas chaminés de indústria soltando fumaça. Afinal de contas, não se deve esquecer que foi justamente quando a revolução industrial aconteceu na Inglaterra, lá no século XVIII, que o capitalismo começou a tomar forma.