Os salvadores da África
por Bruno CarmeloEsta coprodução entre a França e a Bélgica ataca uma questão espinhosa para os europeus: a relação histórica com a África, e as maneiras de ajudar o continente nos dias de hoje. Os protagonistas são membros de uma ONG que busca realizar um ato heróico: resgatar 300 crianças órfãs e entregá-las a famílias francesas, sem passar pelo trâmite burocrático habitual. A ação é secreta e ilegal, por isso o grupo chega ao continente disfarçado de outra ONG, fictícia, com o suposto objetivo de vacinar as crianças locais.
As boas intenções são questionáveis: é legítimo sequestrar crianças órfãs para dar-lhes uma vida melhor? A mentira quanto aos planos da organização não invalida o ato? Um europeu pode decidir o que é melhor para uma criança desconhecida, e simplesmente tomá-la para si? Com seu título irônico (pelo menos, assim espera-se), Os Cavaleiros Brancos aborda de leve as questões éticas e morais inerentes ao trabalho humanitário e ao papel invasivo da Europa na África. Fala-se muito em “salvar” o continente, reproduzindo uma das retóricas imperialistas mais comuns para justificar a intrusão na cultura e na política alheia.
O cineasta Joachim Lafosse está consciente dessas questões, de modo que seu drama não passa por ingênuo. O problema é outro, de ordem estética e narrativa. No que diz respeito à estética, o diretor opta por uma câmera na mão, tremendo, enquanto a trilha sonora e os efeitos de percussão confirmam a vontade de se tornar um empolgante thriller policial - algo que nunca de fato se concretiza. Alguns momentos de humor poderiam reforçar a ideia de sarcasmo, mas este recurso também não se desenvolve. Os elementos políticos ameaçam transformar o projeto em filme-denúncia, no entanto, esta possibilidade é afastada. Existe um desequilíbrio de tom, que prejudica o andamento da obra e torna opaco o ponto de vista do realizador.
O mesmo ocorre com os personagens. Seus debates éticos são muito interessantes e válidos, mas a atividade do grupo é pouco verossímil: temos uma médica que jamais demonstra conhecimentos em medicina, uma repórter que esquece de filmar momentos importantes à sua frente, um líder africano que mal parece ter contato com o vilarejo. Lafosse prefere retratar os momentos de espera, de impasse, algo que de fato contribui à tensão, mas não ajuda a caracterizar os personagens.
Termina-se a projeção de Os Cavaleiros Brancos sem saber muito bem o que o diretor tinha a dizer sobre a moral dúbia dos europeus (que mentem para atingir seus objetivos) e dos africanos (que mentem para explorar financeiramente o suposto ajudante). É louvável que Lafosse não queira tomar partido, mas o cineasta demonstra pouca preocupação quanto às origens e às decisões personagens em tela, abandonando-os, esquecendo seu conflitos (vide a briga de casal, abandonada pelo roteiro, e a importância mínima dada aos companheiros de viagem). A escolha da neutralidade é compreensível, mas a indiferença do diretor faz do filme uma obra fria, distante das preocupações humanitárias que ocupam os diálogos.
Felizmente, o elenco se esforça para trazer unidade aos personagens mal definidos. Vincent Lindon é um dos maiores atores franceses em atividade, representando com perfeição a ideia de “força tranquila” tão importante à política nacional. Ele encarna sem dificuldades o líder firme mas humano, arrogante, mas corajoso. Louise Bourgoin também tem crescido muito desde que se tornou atriz, e os papéis secundários são bem preenchidos, com destaque para a ótima Rougalta Bintou Saleh no papel da tradutora. A coerência do elenco contribui ao aspecto profissional e bem acabado da obra, enquanto a conclusão surpreendente amplia o impacto da projeção. Mas resta o gosto amargo de uma direção indecisa, com medo de se posicionar.
Filme visto no Festival do Rio, em outubro de 2015.