Envelhecer, mas sem perder a ternura
por Bruno CarmeloAo longo de quase duas horas de Gloria, poucos conflitos acontecem. Esta é uma daquelas raras histórias apaixonadas por um personagem banal, e dispostas a segui-lo fielmente, dia após dia, aguardando seus próximos passos. Gloria, perto dos 60 anos de idade, leva uma vida confortável e se preocupa apenas em criar laços afetivos: aproximar-se dos filhos adultos, que seguiram vidas independentes, encontrar um namorado, fazer novos amigos nas pistas de dança.
Esta personagem foge da maioria das representações de mulheres próximas da terceira idade. Ela não é uma cougar, madura e sedutora, tampouco é uma mãe amargurada ou uma mulher divorciada de coração partido. Gloria tem uma sexualidade bem resolvida, é confiante em sua beleza e seu interesse. A direção de Sebastián Lelio aceita esta mulher como ela é, sem tentar embelezá-la, nem escavar seus traumas (não há psicologismos neste retrato naturalista). As cenas de nudez, ioga ou dança são de uma espontaneidade e liberdade muito bem-vindas.
A câmera aproxima-se do rosto de sua protagonista em todos os instantes, e nenhuma cena ocorre sem a presença de Gloria em cena. Mesmo quando a personagem tem algum objeto em mãos, ou faz alguma tarefa doméstica, a imagem continua fixa em seu rosto, como se tivesse medo de perder alguma expressão desta mulher fascinante.
Paulina García, no papel principal, traz diversas nuances para a protagonista, oscilando entre a depressão, a euforia, o tédio, a curiosidade. Os diálogos precisos permitem que a atriz percorra um vasto leque emocional em alguns segundos. A cena em que um homem lhe pergunta se ela é “sempre tão feliz” é excepcional: Gloria sorri, lisonjeada, mas depois adota uma expressão mais séria e responde que não é feliz durante as manhãs, e tampouco na maioria das tardes. A tristeza é de partir o coração. García possui os olhos semicerrados, com pálpebras pesadas, que criam o mesmo mistério e ambivalência tão elogiados em outras atrizes, como Charlotte Rampling, por exemplo.
Desta história simples e engraçadíssima, transparece uma constante sensação de ternura por Gloria e pelo próprio envelhecimento. Sem condescendência ou paternalismo, Lelio ousa achar que a simples vida de sua personagem é interessante por si própria, sem precisar incluir reviravoltas acessórias no roteiro (doenças, separações dolorosas, acidentes etc.). Este é um de seus principais acertos: dar tempo para o espectador conviver com sua protagonista, conhecer a sua complexa personalidade, os seus gestos, as suas mínimas evoluções. Por causa do contexto tão neutro, o momento em que Gloria finalmente aceita a presença do gato do vizinho é mostrado como uma doce revolução interior.
Em filmes como este, onde a história é linear e não prepara o espectador para um clímax específico, a conclusão sempre desperta curiosidade. Como terminar uma história que poderia continuar por meses e meses na vida da personagem? Lelio opta por um final sensível, poético, apostando mais uma vez na variação emocional que Paulina García é capaz de atribuir a Gloria. A personagem, já muito interessante no roteiro, ganhou das mãos do diretor e da atriz principal tanto afeto e respeito que fica a vontade de continuar a conviver com ela, seja numa série ou num livro. Gloria teria estofo suficiente para preencher uma saga literária.