Sublime. Birdman é, de fato, tremendamente maravilhoso, como muitos já tinham me dito. O que eu percebi neste filme é que alguns dos traços são inspirados livremente em Oito e Meio, de Fellini. Duas personalidades cinematográficas em crise, que se afugentam num mundo inexistente para libertar seus extintos. É claro, não que eu esteja falando que Birdman é um Oito e Meio, apesar de ter um certo cabimento nessa afirmação, mesmo que exagerada. Minha intenção em comparar as duas obras é por conta da semelhança própria de seus protagonistas, e foi isso que me levou a associar tanto o novo filme do mexicano González Iñárritu á melhor obra do mestre italiano Federico Fellini.
Riggan Thomson é um ator de cinema e teatro, que outrora já foi uma sucessiva celebridade, fracassado á beira de uma iminente destruição, cuja sede de fama atrapalha seu trabalho e seu relacionamento com os outros. Divorciado, dono de um talento acabado, pai de uma garota problemática, este é o cotidiano de Thomson, cuja vida vem desabando a cada passo que ele dá. A única esperança dele é a peça em que ele, além de atuar, também escreveu e dirige. Porém, bem antes da estréia da adaptação, alguns problemas visíveis o instigam, o que o faz entrar em delírio total ao notar a presença de um desequilíbrio: um substituto prepotente, irregular e medíocre; falhas que aparecem na peça apenas para causar desequilíbrio á já atormentada alma de Thomson; uma intriga acirrada do público. Motivos para ter um ataque de nervos, ele tem. Por não aceitar um mundo em transformação, aos poucos, Riggan percebe que seu trabalho contém alguns elementos presentes na sua própria vida, e isso torna-se uma razão por ele ter tanta identificação com ela, independente de todas as irregularidades que ele encontra nas tentativas de produzi-las.
Além de vir falar sobre o mais novo filme de Alejandro González Iñárritu, também vim falar sobre o grande elenco que o compõe. E há muito tempo, confesso que nunca vi tantos talentos reunidos num único filme, até por que o protagonista de Birdman é o lendário Michael Keaton, um desaparecido do cinema de longa data, do público e das premiações. É quase inacreditável pensar que o astro de Robocop já tem sessenta e poucos anos. O tempo voa, e com ele, seus grandes ícones. Michael Keaton é um daqueles atores que depois de um grande sucesso, acabam caindo em perdição e são esquecidos por aqueles que um dia foram seus espectadores. Esta também é a história de Thomson, interpretado por Keaton. Uma estranha coincidência, que não deve ser confundida com falso acaso.
Deixando um pouco Keaton, e sua performance extraordinária e como ele soube liderá-la profundamente, de lado, volto a comentar sobre o resto do elenco. Em segundo lugar, a surpresa ficou com Emma Stone, um nome que só conhecia por Histórias Cruzadas e o recente Magia ao Luar. Stone se revelou capaz de controlar o personagem, de pontos fortes e características incomuns, a filha de Riggan Thomson, Sam, uma jovem astuta, mas que ainda possui um vício iminente em drogas. Também há um grande destaque para Edward Norton, Naomi Watts, Zach Galifianakis e Amy Ryan como coadjuvantes.
Apesar de ser considerado uma comédia, Birdman também consegue ser dramático em alguns momentos. Sei que Alejandro González Iñárritu se esforçou bastante para sair da zona de conforto dos dramas, mas tais esforços foram em vão. A estrutura dramática presente em todos seus outros filmes também ganha espaço em Birdman. É claro, há comédia em Birdman, mas é leve e bem frágil, quase invisível aos olhos menos experientes, ou seja, aqueles que não tem afinidade com o humor negro. A história já deixa bem claro isso: seu personagem principal, tais como os outros, são infelizes, problemáticos, nervosos, ambiciosos, competitivos e temperamentais, que caminham sob a fina corda da qual se sustenta a catástrofe em que suas vidas se direcionam, sem volta. Esta obra ainda guarda um tom dramático. Natural para Iñárritu, alguém que passou a carreira inteira dirigindo dramas ausentes de inovação e que só agora veio a universalizar seu cinema. Birdman escapa da superficialidade inconsequente de seus filmes anteriores. Só mesmo A.G.I. e Michael Keaton juntos para transformarem-a numa comédia bem inusitada e espantar o clichê (preconceito).
Os efeitos visuais foram perfeitamente usados nas cenas de desolação e loucura protagonizadas por Thomson, tais como as quais ele tem estranhas conversações com seu maior personagem e outras aonde ele ganha poderes sobrenaturais, algo extremamente fantástico na película. A trilha sonora, surreal. Uma pena que foi rejeitada tão brutalmente ao Oscar. O roteiro, brilhante. Descostumado com a ausência de seu maior colaborador, Guillermo Arriaga, Alejandro González Iñárritu pediu ajuda á outros três roteiristas, eles: Armando Bo, Nicolás Giabone e Alexandre Dinelaris Jr., que conduziram tão genialmente esta trama. González Iñárritu, na direção, permanece o mesmo: dotado de uma visão única, talento de sua maestria cinematográfica. Conheci González Iñárritu no drama Babel, e depois, decidi conhecê-lo mais, assistindo aos poucos filmes presentes em sua filmografia, entre eles Biutiful e Amores Perros. Ao contrário desses dois filmes mexicanos, em Birdman Alejandro González Iñárritu cria uma afinidade maior com o cinema americano, da qual eu vi apenas em 21 Gramas.
É impossível descrever o que foi melhor ao assistir Birdman. O retorno mágico de Michael Keaton? A direção poderosa e matura de A. G. I.? O elenco indestrutível? A história inabalável? Todos esses grandes elementos transformam Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância) numa obra pra lá de inesquecível. Há um extenso oceano de causas para a constante e versátil memorabilidade do filme. Citei acima apenas algumas das mais prováveis. É possível encontrar muitas mais delas ao assisti-lo, num tesouro tão raro como este.