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    Birdman (ou a Inesperada Virtude da Ignorância)
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    Birdman (ou a Inesperada Virtude da Ignorância)

    That's entertainment!

    por Francisco Russo

    Alejandro González Iñárritu não é americano, mas nem por isso esteve alheio à indústria do entretenimento norte-americana. Nem há como, tamanhos são seus tentáculos mundo afora. Entretanto, ao deixar seu México natal para ingressar em Hollywood, na época em que rodou 21 Gramas, teve a chance de conferir de perto a indústria cinematográfica como ela é. Pouco mais de uma década se passou, o diretor foi indicado ao Oscar – por Babel – e, quando resolveu promover uma reviravolta na carreira e dirigir uma comédia, decidiu apontar o dedo para seu novo lar. Um dedo incisivo, muitas vezes acusador e sem medo das consequências, se o ressaltado é feio ou bonito. Em Birdman, o dedo de Iñárritu aponta para a indústria do entretenimento. Como um todo.

    Não pense você que se trata de ingratidão ou algo do tipo, longe disto. Birdman oferece um retrato ao mesmo tempo cínico e realista, com um olhar distanciado típico de quem é de fora e não possui ligações afetivas que embacem a realidade. No filme, o personagem principal é um ex-astro do cinema que viveu seu auge quando interpretou o personagem do título, um super-herói bastante popular. Quando recusou a terceira sequência, seu mundo começou a ruir, lentamente. Para interpretá-lo, um ator que passou por uma jornada um tanto quanto parecida: Michael Keaton, ex-Batman, há anos sem um papel relevante nas telonas. A vida imita a arte ou a arte imita a vida? As duas coisas.

    É esta mescla que conduz as várias subtramas desta ópera do entretenimento comandada por Iñárritu. Ao mesmo tempo em que se pode acompanhar a derrocada do antigo homem-pássaro, e seu esforço para se reerguer ao dirigir e estrelar uma peça teatral – teatro dá prestígio! -, percebe-se coadjuvantes que, cada um à sua maneira, pensam apenas em si. É o ator do momento que surta de vez em quando (Edward Norton), a atriz que pena devido a relacionamentos antigos (Naomi Watts), o agente preocupado que a todo momento busca a melhor maneira de lucrar em cima do que está acontecendo (Zach Galifianakis), a filha meio deslocada que sente a falta de afeto vindo do pai (Emma Stone) e tantos outros que compõem esta fauna em busca da vitória prometida pelo sonho americano. Uma sensação que por vezes mistura realidade e ilusão, onde o desejado se manifesta através da voz e da figura de Birdman, como se este fosse um fantasma a perseguir seu alter-ego. Eles são um só, indissociáveis, e a contínua aparição nada mais é do que a voz da consciência questionando seus atos, dia após dia. E, de quebra, trazendo um retrato objetivo sobre aquele mundo ao seu redor.

    Diante de tamanha representação dos bastidores de uma peça teatral na Broadway – poderia ser em qualquer outro lugar, poderia ser no cinema -, Iñárritu ainda brinda o espectador com uma verdadeira aula sobre narrativa. O plano sequência é quase onipresente, ziguezagueando pelos corredores do teatro e adentrando camarins e corredores em busca de verdades ocultas, ou nem tão ocultas assim mas que os envolvidos gostariam que assim fossem. A câmera é uma espécie de espiã, mas às vezes perde situações e corre para saber o que aconteceu, assim como faria se alguém estivesse em seu lugar. O trabalho de fotografia e edição são tão meticulosos que, por si só, já impressionam, mas o brilho maior está na união com a história a ser contada. Birdman, sem sombra de dúvidas, seria um filme menor caso seguisse um estilo mais convencional.

    Repleto de diálogos sarcásticos e um elenco coeso muito competente, com destaque maior para os olhares reveladores de Emma Stone e Naomi Watts, Birdman é um filme lúdico que diz muito sobre o mundo atual, onde a fama é algo a ser conquistado a todo custo e a palavra perde cada vez mais espaço para a beleza de imagens vazias. Trata-se de um filme absolutamente crítico: a Hollywood, a Broadway, ao modus operandi do ramo do entretenimento, nos Estados Unidos e também em vários países (o Brasil inclusive), sem deixar de cutucar também a própria crítica profissional neste gigantesco mecanismo inflado pelo ego. Um filme para pensar e também para divertir, saboreando as preciosidades que Iñárritu espalhou ao longo de sua duração, seja com situações deliciosamente bizarras ou até meigas, onde o ritmo frenético diminui para ressaltar o brilho das atuações. Destaque para a brilhante analogia com os filmes de super-heróis, merecedora de aplausos em cena aberta.

    Filme visto no 71º Festival de Veneza, em setembro de 2014.

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