Fantasmas existem
por Lucas SalgadoÉ bem compreensível que Peter Jackson tenha pensado em Guillermo del Toro para dirigir O Hobbit (algo que acabou não acontecendo, como todo sabemos). Não há ninguém no mundo do cinema com a capacidade de criar universos fantásticos e fantasiosos como del Toro. O exemplo clássico disso é O Labirinto do Fauno, que funciona como drama, fantasia e filme de terror, contando com cenários, figurinos e criaturas fabulosas.
Projeto de quase uma década, A Colina Escarlate marca o retorno de del Toro ao terror desde O Labirinto do Fauno. É verdade que neste meio tempo ele produziu obras como o filme independente Mama e a série The Strain, mas como diretor vinha se dedicando a outros projetos dentro do cinema de gênero, como Hellboy 2 - O Exército Dourado e Círculo de Fogo.
O novo longa acompanha Edith Cushing (Mia Wasikowska), uma jovem garota que sonha em ser escritora. Ela vive com o pai (Jim Beaver) em Londres e ainda sofre com a perda da mãe quando criança. Ela começa a se interessar por Thomas Sharpe (Tom Hiddleston), um sujeito misterioso e sedutor que está sempre na companhia da irmã mais velha Lucille (Jessica Chastain). Os dois moram nos Estados Unidos, mas passam uma temporada na Europa em busca de investimentos para uma invenção de Thomas. Envolvida pelo sujeito, Edith decide largar tudo para trás e se mudar para a casa dos irmãos, uma mansão localizada numa região conhecida como Colina Escarlate.
Lá, a jovem passa a conviver com aparições estranhas e com uma postura estranha de Lucille, que farão seu dia a dia algo mais sofrido do que esperava. A partir de então, ela tentará descobrir o que realmente acontece (ou aconteceu) no local.
Não se trata de um filme de grandes sustos, mas sim de uma obra que constrói uma atmosfera assustadora. O espectador não deve pular da poltrona, mas certamente ficará incomodado com o que está acontecendo. Curiosamente, del Toro adota uma montagem conservadora que remete ao filmes clássicos do horror, numa espécie de homenagem ao cinema que ama tanto. Neste sentido, é interessante a utilização de fade-outs em inúmeros momentos da produção, sempre escolhendo um foco para fechar a imagem.
Edith, em determinado momento, vende seu livro como "um livro com fantasmas" e não "um livro sobre fantasmas". A Colina Escarlate é exatamente isso. Um filme que já em sua primeira frase avisa que "fantasmas são reais", mas nem por isso faz das criaturas parte central da narrativa. Por sinal, há algo bem mais assustador do que fantasma na produção.
Há oito anos, O Labirinto do Fauno pegou toda a Academia de surpresa ao faturar três estatuetas do Oscar por direção de arte, fotografia e maquiagem. O novo longa é inferior ao citado, mas é possível imaginá-lo concorrendo em categorias técnicas no Oscar 2016. Trata-se de um dos filmes mais deslumbrantes do ano. O trabalho de design de produção de A Colina Escarlate é muito, muito bom.
Os cenários e os figurinos fazem da obra um encanto visual. Merece destaque, principalmente, a mansão de Thomas e Lucille, que é ameaçadora, mas belíssima, com grande riqueza de detalhes. É curioso notar como percebemos a passagem das estações do ano sem a necessidade de tomadas externas. Para manter a beleza da casa, del Toro jamais mostra seus defeitos, mas sabemos que está acabada pelo simples fato do hall principal ser sempre mostrado diante de folhas e neve caindo, fruto de um possível vazamento no telhado.
O figurino também é impressionante, principalmente o que diz respeito a personagem da Jessica Chastain. Quando está fora de casa, ela sempre usa elementos que remetem ao vermelho, ao escarlate da colina. Uma referência não só a sangue, mas também a paixão. Já Mia Wasikowska surge em determinado momento em um belo vestido amarelo, como um contraponto de luz em toda a história sombria.
Ainda que o roteiro seja simples e sem grandes revelações, o filme se sustenta não apenas no visual, mas também pelo trabalho dos atores. Chastain é um furacão em cena, enquanto que Hiddleston cumpre bem seu papel de ser ameaçador, sedutor e de certa forma dominado. Charlie Hunnam completa o time como um amigo da família de Edith que está muito preocupado com sua nova realidade.
Wasikowska não decepciona em cena, mas também não oferece muito. Ela exala vulnerabilidade, mas também demonstra confiança. Só é um pouco prejudicada pelo desenvolvimento da história. Quando sua personagem sonha em ser escritora, ela repele qualquer comparação com Jane Austen, preferindo ser considerada uma Mary Shelley. Ainda que passe por mudanças, por boa parte da história o que vemos é quase uma personagem de Austen.