Arquitetura familiar
por Bruno Carmelo"Fale de seu vilarejo e você falará do mundo". Não lembro o autor desta frase, mas ela veio à mente durante a sessão de Construção. Este documentário enxuto, de 70 minutos, parte das histórias familiares da diretora para discutir temas complexos como a nação, a perenidade do amor e a representação do espaço em imagens.
Pode-se dizer que o filme tem grandes ambições, mas elas parecem ter surgido na sala de montagem, ganhando vida diante dos olhos surpresos da diretora Carolina Sá e da montadora Marília Moraes. Isso porque a curiosa colagem de imagens e sons não é linear, ela não evolui com um propósito preciso. Ela lembra um diário filmado, capaz de evocar fatos passados e depois saltar ao presente, misturando grandes eventos (o aniversário da Revolução Cubana) aos acontecimentos particulares (um rolo Super 8 do falecido pai faz com que Sá o compare a um astronauta, perdido pelo espaço).
No caso, a cineasta se baseia na história do pai, Marcos de Vasconcellos, um arquiteto idealista, crente que a arquitetura deveria se moldar às pessoas, e não o contrário. Em meio a esta reflexão tão prática quanto abstrata, ela inclui a história de sua filha, uma garota de 3 anos que descobre Cuba, a terra natal do seu pai, o músico René Ferrer. Sua exploração do espaço é diferente, espontânea, como cabe às crianças dessa idade. Branca é uma garota formidável, capaz de apresentar a um garoto cubano seu próprio país, dizendo que "Cuba é um país com praia e sol", enquanto chove lá fora, na sua primeira experiência por estas terras. Marcos, o avô, apreendia o espaço como um filósofo; Branca, a neta, descobre o mundo como exploradora. Nestes dois pontos de vista é estabelecida a ponte entre gerações.
Nos últimos anos, o cinema brasileiro produziu dezenas de documentários autobiográficos, com os diretores se colocando em tela, falando de suas origens familiares. 33, Diário de uma Busca, Passaporte Húngaro, Marighella, Constantino são alguns destes filmes. Mas Construção se distingue dos demais por propor uma experiência sensorial e conceitual dentro do gênero biográfico. O espectador não precisa saber que as cartas do pai são lidas pelo irmão de Carolina Sá, que ela mesma narra as cartas de sua mãe quando jovem, ou que a mãe, hoje uma senhora de idade, também contribui para a narração. O importante é passear pela mistura de texturas, do digital caseiro ao 8mm igualmente caseiro (as técnicas caseiras também mudaram com as gerações), da música cubana melancólica (feita por René Ferrer) ao barulho da orla do Rio de Janeiro.
Em sua narração, o filme é repleto de frases do tipo "Para se encontrar, ninguém se prepara", "Toda trajetória tem que lidar com duas questões: pátria e família", "O amor não basta para manter viva uma relação", "No amor, não existe arquiteto". São ideias minúsculas e imensas, que podem ser apreendidas como pequenas dicas de autoajuda ou grandes filosofias de vida. Mas colocadas uma após as outras, banhadas em música agridoce, em paisagens nubladas e reflexões questionadoras, elas geram um conjunto tão inesperado quanto coerente, uma formidável articulação entre a noção concreta de casa e a noção abstrata de lar.