Ser ou não ser... vampiro
por Francisco RussoCertos personagens são tão presentes no imaginário coletivo que podem ser aproveitados de toda forma, inclusive retorcendo suas origens para tirar sarro do que representam. É o caso de Hotel Transilvânia, animação cujo mote principal é justamente brincar com Conde Drácula, Frankenstein, lobisomem, múmia e todo tipo de monstro criado pela literatura (e cinema) de terror. Aqui eles são caricatos e divertidos, tanto no traço quanto na personalidade, tudo para cativar o público mirim. Como em time que está ganhando não se mexe, e o primeiro filme faturou US$ 358 milhões nas bilheterias mundo afora, Hotel Transilvânia 2 chega aos cinemas trazendo exatamente o que o primeiro filme oferecia, para o bem e para o mal.
Após perder a batalha com o humano Johnny no primeiro filme, e ver sua filha Mavis se casar com ele, Drácula tem agora um novo desafio: garantir que o neto Dennis siga a nobre linhagem dos vampiros. Só que o vovô não é nem um pouco paciente e busca, a todo custo, indícios de que o pequenino não é um reles garoto normal. Curiosamente, a trama principal desta continuação investe forte no relacionamento entre Drácula e Mavis, deixando Johnny meio de lado. Se o personagem está sempre por perto, com seu jeito peculiar de eterno garotão, desta vez ele tem uma participação restrita nos eventos principais que norteiam o longa-metragem. Se por um lado o fato de um dos protagonistas do filme original agora ser apenas um coadjuvante, por outro esta opção abre espaço para que a trama explore ainda mais o que há de melhor na série: o mundo dos monstros.
A diferença maior em relação ao filme original é que, se antes havia o susto pelo convívio com um humano, agora os monstros estão não apenas habituados com a convivência como, ainda por cima, se acomodaram. Esta é a deixa para diversas piadas rápidas envolvendo dificuldades em se habituar ao mundo moderno – a cena com o celular é ótima, mas resulta em vários erros de continuidade ao longo do filme – e também ao fato dos monstros clássicos estarem hoje cansados desta imagem construída por anos. São tais gags, que raramente superam a marca de um minuto, que dão graça ao filme. Entretanto, assim como acontece no original, a trama que as cerca é bastante infantilizada.
Além disto, há um claro desnível no roteiro escrito por Robert Smigel e Adam Sandler (é dele a voz de Drácula na versão original). Se o filme logo de início investe no relacionamento pai-e-filha e nos esforços de Drácula em garantir um neto vampiro, o terço final provoca uma reviravolta um tanto quanto brusca para trazer um vilão até então jamais citado. É como se a proposta inicial tivesse se esgotado e, sem ter para onde ir, a dupla de roteiristas tenha tirado da manga o velho clichê do inimigo-que-aprende-uma-lição. É a chance também de Johnny voltar a ganhar algum espaço, graças ao retorno do confronto monstros versus humanos do filme anterior. Repetitivo e sem imaginação, para dizer o mínimo.
Ao repetir a fórmula do primeiro filme, Hotel Transilvânia 2 tem grandes chances de agradar aqueles que se divertiram com o original. Há piadas engraçadas, como o GPS de voz fantasmagórica, a sacaneada ao visual de Drácula de Bram Stoker e o acampamento para jovens vampiros (com uma pitada sarcástica envolvendo o cenário atual do politicamente correto), mas o grande trunfo continua sendo o estilo performático e exagerado de Drácula. Neste caso, vale também destacar o brilhantismo de Alexandre Moreno como a voz brasileira do personagem, trazendo um misto de pompa e galhofa. Diverte, apesar de ser claramente mais voltado para as crianças e de certos problemas de roteiro.