"O DESPERTAR DA FORÇA"
CINEMA PIPOCA METIDO A ÉDIPO DE SÓFOCLES/// Hollywood parece ter aberto guerra a Hollywood. "Birdman" ataca diretamente os filmes de heróis; em uma cena chave de "Boyhood"; o personagem de Ethan Hawke diz que não há necessidade de um novo "Star Wars"; "O retorno de Jedi" teria fechado a contento o belo ciclo de aventura espacial. Richard Linklater, diretor e roteirista de "Boyhood", escreveu a cena há muitos anos, uma vez que seu filme levou 12 anos (!!!) para ser realizado; logo, ainda não se cogitava uma terceira trilogia e ... parece que o diretor previa "perigo ! ....perigo ! ... perigo !" (como diria o robô de "Perdidos no espaço" ).
Na véspera da estreia de "O despertar da força", um internauta americano expunha sua preocupação em uma página da web ao dizer : " J. J. Abrams, se você ferrar com "Star Wars", será para sempre lembrado como 'J'AR 'J'AR Abrams". O fã de "Star Wars" fazia alusão ao odiado personagem de desenho animado que assombrou "A ameaça fantasma" e teve de ser gradativamente eliminado dos filmes seguintes, devido a gigantesca rejeição do público. "Wisa free !", my ass, Jar Jar.
J.J. Abrams não é o pai de "Guerra nas estrelas"; ele é o pai do confuso seriado "Lost". George Lucas é o pai de "Guerra nas estrelas". Um pai não mata seu filho. Eu volto a "laços familiares" em instantes.
A direção de "O despertar da força" não ser de George Lucas nunca foi uma preocupação para mim. Muitos devem ter esquecido que "O império contra ataca" e "O retorno de Jedi" não foram dirigidos por Lucas e que seus respectivos diretores, Irvin Kershner e Richard Marquand não só expandiram o universo de Lucas, como criaram filmes ainda mais interessantes. Kershner e sua ópera escapista e Marquand e seu grand finale, feérico e delicioso. Ambos os diretores foram poupados de ver o que foi feito com o universo que ajudaram a criar; uma vez que já são falecidos.
"O despertar da força" começa muito mal; não por ser ruim, mas por ser comum. Não há fantasia, não é divertido, não tem o "pó de pirlimpimpim" que estamos acostumados na saga. Tem até Max Von Sydow num papel sem menor importância. Von Sydow era o ator favorito de Ingmar Bergman; outro que deve estar chorando no túmulo com o que fizeram com seu ator preferido. Neste interim, somos apresentados aos novos personagens Rey; interpretado de maneira magistral por Daisy Ridley (de fato a melhor do elenco), Finn, na pele de John Boyega, excelente ator para um personagem fraco; Poe, personagem inexistente para um ator mais sem sal ainda (alguém chamado Oscar Isaac ) e o novo vilão, uma espécie de Suzanne Richtofen intergaláctica, que quebra o cenário por birra, toda vez que se aborrece; na solução mais bobinha do roteiro.
Com 45/50 minutos de projeção, o filme começa a acontecer. Começamos a reparar na sofisticação com que tudo é mostrado. Na classe da narrativa, na seriedade do tom, na exuberância dos cenários, na luz que podemos chamar de arte (a luta de sabres na neve é de cair o queixo), tudo muito prejudicado pelo pavoroso 3D, que oferece uma troca : efeito 3d que dá profundidade x imagem fosca e confusa que te distrai da ação. Essa história de 3D só foi criada para justificar os ingressos a preços de financiamento. Em breve faremos consórcio de ingresso + combo de pipoca.
Com 1 hora de filme, tudo vai indo muito bem. Nossos heróis do passado já entraram na história... mas ...
O internauta americano que mencionei lá em cima estava preocupado que J.J. Abrams fizesse alguma besteira com "Star Wars", mas ele fez pior. O diretor( e roteirista), que não é o pai de "Star Wars", logo, não tem uma relação de afeto com sua mitologia; cospe na trilogia original (1977/1983) ao desmerecer tudo que Han, Luke, Leia, 3PO, R2, Chewie, Obi Wan e Yoda fizeram. O império está lá mais forte do que nunca ! Ou seja; não adiantou nada a Leia mandar aquela mensagem pro Obi Wan, no R2, Obi Wan "murchou" à toa, nem resgatar o Solo da Carbonite do Jabba, nem os Ewoks devastarem uma floresta inteira, para juntar troncos, nem destruir 2 estrelas da morte. Para Abrams, foi tudo em vão. Tudo porque, por preguiça de avançar o enredo, J.J. Abrams decidiu contar tudo de novo ... do jeito dele.
Mas o pior vem por último. Ao tentar bancar Sófocles, o diretor põe um "Édipo" matando o pai. Por quê se preocupar ? não é filho dele ...é filho de Lucas.
Não recomendo o filme para menores de 18 anos ; sim tem patricídio. Tiveram a coragem de colocar uma cena ultrajante dessas num filme voltado, primordialmente, ao público infanto-juvenil.
E não é um assassinato qualquer; é um assassinato que dá um tapa na cara dos fãs de "Star Wars".
Depois desta cena, o gosto é amargo. Já não dá vontade de ver outros filmes que virão.
Qual o propósito de ver uma tragédia tão grande e gratuita, num filme feito para divertir e sonhar ?
Com o retorno do (falso) moralismo, sexo voltou a ser tabu; mas filho matando pai pode ?
"O despertar da força" é um filme que não precisava ter sido feito; não deveria ter sido feito.
Mais bonito, edificante e nostálgico foi ver a Marion voltar após 27 anos para casar com o Indiana Jones.
Ressuscitar a lenda após 32 anos, para fazer-nos presenciar isto ? Que falta de afeto e respeito à obra, ao autor e ao público.
George Lucas precisa urgente dizer : "Star Wars ... eu sou seu pai !".
André Belarmino