Um ciclo se fecha
por Barbara DemerovUm fim que, na verdade, é apenas a expansão de um desfecho já visto há muito, muito tempo. Star Wars: A Ascensão Skywalker não só representa a comunhão de oito filmes lançados ao longo de 42 anos como também se propõe a finalizar a história do principal pilar de seu universo cinematográfico: a família Skywalker. Com tal alicerce e novos núcleos de personagens, inseridos pela primeira vez em O Despertar da Força, está a receita para que a ação e o imediatismo se unam a tudo o que já conhecemos: o lado do bem, o lado do mal, a Força e, em meio a tudo isso, a nostalgia.
Em especial, é o último elemento que dita o tom do Capítulo IX, pois para J. J. Abrams - que retorna ao posto de diretor após Rian Johnson comandar Os Últimos Jedi - é muito claro que agradar aos fãs é fator determinante no capítulo final. Mas, ainda que suas escolhas narrativas sejam condizentes com o que os filmes prévios indicavam, a contemplação que reside em Star Wars é deixada de lado para que um dinamismo desenfreado tome conta de cada ato.
Com isso, é difícil comparar A Ascensão Skywalker com O Retorno de Jedi, mesmo com a inevitável reflexão sobre algumas semelhanças bem demarcadas. Cada personagem da nova geração pode se encaixar como uma nova versão da fase clássica, especialmente Rey (Daisy Ridley, a versão feminina de Luke) e Kylo Ren (Adam Driver, tão conflituoso quanto Anakin). Porém, tirando tais arquétipos que já trazem nostalgia por si só, o que é explícito é a necessidade de se contar uma história complexa com inúmeras divisões - mesmo que com pouco tempo para ir fundo em cada detalhe.
Em Star Wars como um todo, a missão vem atrás de missão; tudo é descoberto durante um ato heroico, uma viagem espacial ou no diálogo com um personagem misterioso. Abrams novamente tem essa narrativa como guia, mas em menor escala que em O Despertar da Força. A principal questão aqui é que há mais dinamismo técnico (se estendendo à montagem, que mexe com o peso sentimental de algumas situações) do que a contemplatividade que ditou as demais trilogias. Isto não é necessariamente um demérito, mas pode diminuir a imersão emocional com os principais personagens expostos em tela - como quando Lando Calrissian (Billy Dee Williams) entra em cena, por exemplo.
Ao mesmo tempo em que vai contra certos passos dados por Johnson em Os Últimos Jedi, alguns incontestáveis, Abrams concede espaço a escolhas precisas que fazem a história andar sem que o passado seja apagado - em especial o que se diz respeito à ligação entre Rey e Kylo Ren. Mas o embate criativo sob o mesmo enredo (uma espécie "disse-não-disse") não parece ser tão impactante quanto a ausência física de Carrie Fisher neste capítulo. As cenas de arquivo reaproveitadas em A Ascensão Skywalker mostram-se um pouco deslocadas e, infelizmente, não entregam tantas falas ou interação de Leia com o restante do elenco. Contudo, a essência da personagem se manifesta de forma bem clara, incluindo no breve treinamento Jedi que realiza com Rey. Suas ações, ainda que breves, influenciam passagens-chave da história e, de certa forma, não precisam de palavras. Não há como dizer que não emociona, e tal resultado só acontece graças aos eventos precursores que Johnson escreveu.
O dinamismo já citado de A Ascensão Skywalker demonstra certa pressa de Abrams em encerrar arcos com cenas que vão de um lado para o outro da galáxia - e sem tantas transições de tela, diga-se de passagem. Tratando-se de um grande encerramento, não há nada de surpreendente na abordagem. Mas, antes de finalizá-los, o diretor dá impulso a alguns (re)inícios que não são totalmente explicados, como o retorno de Palpatine (Ian McDiarmid). Mais do que em qualquer filme da saga Star Wars, este capítulo é movido pela ação e reação imediata, não pelo silêncio que diz tudo ou a absorção de diálogos longos e densos, que poderiam garantir uma imersão maior às perspectivas individuais de cada personagem.
Ao pegar o trem andando, o espectador precisa comprar todas as ideias impostas que já estão em plena execução. Não há tempo para reflexão; seja nas cenas mais agitadas como nas breves pausas do confronto final, frases e aparições que remetem à trilogia original surgem aos montes, entregando a dose de nostalgia necessária para carregar o enredo sem nunca tirar de vista a magnitude deste universo. Finn (John Boyega) e Poe (Oscar Isaac) são os regentes da guerra, por assim dizer, e atuam como guias a todos os locais e percalços até chegarmos ao duelo contra a Primeira Ordem. Duelo este que exemplifica a percepção de que a união se faz um a um, assim como a força.
Paralelamente à guerra, o tempo para segurar os grandes mistérios é realmente curto. Não que eles sejam entregues de forma pouco empenhada, mas é certo dizer que as escolhas feitas já devem ter passado pela cabeça de muitos fãs ao longo dos últimos anos. Isso não tira o impacto que é o de ver tais direcionamentos acontecendo de fato, mas nenhuma alternativa pode ser definida como ousada ou fora da curva (como muitos definem Os Últimos Jedi, por exemplo). Mas a direção de Abrams contempla um resultado interessante e realmente genuíno ao envolver Rey e Kylo, as peças-chave para a trilogia, e encerra seus arcos aproveitando bastante a dinâmica entre Ridley e Driver, bem como as emoções e os conflitos vivenciados por ambos até aqui.
Dividindo o protagonismo com louvor, é interessante ver como ambos são tão diferentes e, ainda assim, complementares em ideias e temores internos. O ponto alto de toda a nova trilogia culmina no relacionamento entre Rey e Kylo, que acaba por ser o elemento mais próximo do existencialismo. Ainda mais do que a Força em si, dúvidas, medos e bravura em uníssono comprovam que ainda há de se aproveitar a verdadeira essência do que George Lucas idealizou: a chance de moldar seu próprio destino mesmo quando tudo aponta para o contrário.
A Ascensão Skywalker garante ótimos momentos ao longo da projeção graças ao cuidado de Abrams em traçar uma jornada visualmente impressionante e, por que não?, a um caprichoso fan-service. Apesar de se ater a algumas soluções um tanto óbvias e à familiaridade deste universo que se expande cada vez mais, o longa pode não se aventurar tanto nas incógnitas da galáxia ou entregar duelos tão épicos quanto os anteriores, mas ao menos se mantém fiel ao que introduziu há tantos anos. Como homenagem, funciona por dar espaço aos antigos e aos novos; como conclusão, por administrar (ainda que com certa urgência) tantos núcleos que, por fim, tornam-se paralelos. O nome Skywalker deixou de ser apenas um nome há muito tempo. Além de sempre ter ressoado pelas galáxias como o significado de esperança, agora também pode ser relacionado à liberdade de simplesmente ser.