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    Força Maior
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    Força Maior

    Depois da avalanche

    por Bruno Carmelo

    Uma família viaja aos Alpes para esquiar. Tomas (Johannes Bah Kuhnke), Ebba (Lisa Loven Kongsli) e os dois filhos pequenos estão empolgados com o passeio. O início desta história se concentra nos símbolos padronizados do turismo moderno, incluindo fotos dos quatro sorrindo, posando para a câmera, mostrando suas roupas especiais, seus equipamentos. Ou seja, esta é a imagem de felicidade que desejam passar para os outros e para si mesmos.

    Mas chega então uma avalanche. A cena espetacular, em plano fixo, questiona o papel da imagem e de sua representação: no início, a neve deslizando montanha abaixo não parece perigosa. Em questão de segundos, o fenômeno torna-se mais intenso, aproximando-se da família – e também da câmera, do espectador – para soterrar tudo à sua frente. Por acaso, o efeito da avalanche não é tão forte quanto se esperava, mas uma atitude específica de Tomas gera desconforto na família: na hora da crise, ele sai correndo e deixa a esposa e os filhos para trás, onde teriam sido mortos pela avalanche.

    Este é o ponto de partida de Força Maior. O diretor Ruben Östlund propõe uma investigação profunda sobre as expectativas que a família mantém sobre o papel do pai (supostamente forte e protetor), da mãe (supostamente sentimental e dependente da ajuda masculina) e das crianças. O roteiro aparenta seguir o caminho típico das produções de Michael Haneke – o pequeno evento que se torna gradativamente maior, até a inevitável explosão – mas este filme sueco opta por um caminho menos linear, mais soturno. Existe o prazer em ver ruírem as convenções sociais, mas existe também um estudo interessantíssimo sobre os mecanismos necessários para sustentar estas convenções.

    Isso porque Ebba não fica furiosa com seu marido imediatamente. Tomas não percebe a gravidade de seu ato. Seria realmente condenável abandonar a família diante de uma suposta catástrofe? Ou talvez o instinto de sobrevivência pudesse justificar o ocorrido? O fato é que o incidente afeta a vida sexual do casal, afeta a relação com os filhos, os debates com os amigos, e mesmo a relação com um faxineiro que sempre passeia pelo hotel. Está armado o palco para um grande debate moral, investigando questões de sexualidade, paternidade, amizade, hierarquia social e de gênero.

    Esteticamente, Força Maior traz uma série de imagens deslumbrantes, com precisão cirúrgica nos enquadramentos e na montagem. Mesmo abordando questões intimistas, Östlund evita aproximar a câmera do rosto de seus atores, situando-os nos espaços amplos do hotel e da montanha coberta de neve. Raros diretores conseguem captar tão bem a claustrofobia a céu aberto, fazendo com o espectador sinta o peso do ambiente na vida dos personagens. Os planos fixos são usados com maestria, enquanto a montagem atinge um efeito impressionante através da alternância rápida entre cenas da estação de esqui e momentos no banheiro do hotel, onde Tomas e Ebba tornam-se cada vez mais hostis. A repetição de uma composição musical nervosa acentua o tom de angústia, e a reincidência das ações (escovar os dentes, arrumar as roupas para esquiar) ganha novo significado pelos diferentes estados de espírito dos personagens, dia após dia.

    Por fim, as belas férias tornam-se um pesadelo. Não, nenhuma catástrofe acontece à família (como tinha sido o caso em O Impossível, por exemplo), mas o pequeno conflito serve para desencadear uma série de ações surpreendentes e incontroláveis – como uma avalanche, justamente. A farsa que eles estão dispostos a armar no intuito de agradar os filhos, os amigos e uns aos outros serve como excelente metáfora da hipocrisia da classe média alta. Momentos como o suposto acidente na neve e a conversa com uma amiga sexualmente progressista criam faíscas empolgantes em uma trama de ritmo voluntariamente lento.

    Já a conclusão fornece um daqueles raros momentos de cinema que não servem a explicar nem representar, apenas criar uma imagem misteriosa, metafórica – um símbolo do desajustamento e da decadência (moral, no caso) dos personagens. Um final enigmático para um filme que também não se desvenda com facilidade e, talvez por isso mesmo, represente uma experiência tão instigante e duradoura para o público.

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