Coraçõezinhos e ursinhos de pelúcia
por Bruno CarmeloApesar do título, com os nomes de Liv Ullmann e Ingmar Bergman, este não é um documentário sobre o talento da atriz norueguesa, nem sobre os filmes do diretor sueco. Quem pagar o ingresso sairá da sessão sabendo pouquíssimo sobre as atuações e direções desta dupla fora do comum. O foco, aqui, é apenas o amor entre eles, as lembranças de uma Ullmann idosa e saudosa, em relação ao seu antigo companheiro.
O único depoimento existente é o da própria atriz, que conta suas memórias do início ao fim da projeção. Enquanto isso, três tipos de imagens diferentes desfilam na tela: momentos da própria Liv Ullmann falando diretamente à câmera, cenas dos dramas de Bergman, com atuações da atriz quando jovem, e por fim cenas da natureza, construídas para representarem o estado de espírito da entrevistada.
Desses três tipos de imagens, apenas o primeiro deles é satisfatório: as conversas com Ullmann são simples, acadêmicas, mas têm enquadramentos eficientes e dão tempo para que ela se expresse livremente. Quanto às imagens de natureza, elas beiram o kitsch, o humor involuntário: o diretor inexperiente Dheeraj Akolkar constrói panoramas bucólicos de mares, céus azuis e trigos balançando ao vento, com inúmeras fusões letárgicas, ao som de pianos e violinos tristonhos.
Toda a estética criada especificamente para o filme adota um tom meloso, emocionalmente manipulador. São dezenas de imagens de mãos acariciando retratos em câmera lenta, ponteiros de relógio se mexendo (uma metáfora sobre o tempo, entendeu?) e reflexos nas janelas. Mesmo as cartas de Bergman são lidas por uma voz grave, repleta de eco, como se fosse Deus transmitindo alguma parábola diretamente dos céus.
Mesmo assim, se as imagens construídas são inocentes, as cenas apropriadas da filmografia de Bergman enfrentam um problema mais grave. A cada vez que Ullmann fala de seus momentos de tristeza, Akolkar busca alguma cena de Vergonha (1968) do cineasta sueco, no qual a atriz interpreta uma personagem triste. Quando Ullmann comenta o fim da relação, entra uma cena A Paixão de Anna (1969), com Ullmann interpretando uma mulher em fim de relação. E assim por diante. Nos filmes de Bergman, onde existem diversas mulheres diferentes, em contextos variados e com personalidades distintas, a montagem vê apenas Ullmann. O cineasta apela para a crítica genética mais romântica, segundo a qual todo filme ou personagem é uma emanação direta da personalidade de seu criador, indissociável de seu talento.
Chega a ser uma pena ver um material tão precioso desperdiçado. As horas de conversa com a atriz revelam uma mulher disposta a falar francamente sobre o passado, com uma entrega invejável. Mas Akolkar reduziu essa vida a um melodrama banal. O cineasta se esquece da razão pela qual Ullmann e Bergman se tornaram tão queridos e conhecidos: por suas atuações e direções. Esta produção foca apenas nas intimidades dos bastidores, nos segredos da vida das celebridades. Liv e Ingmar deixam de ser "uma atriz lendária e um mestre na direção", como diz o trailer, para se tornarem dois apaixonados quaisquer, um casal desfeito como qualquer outro.
Quando o cineasta já parece ter mostrado todas as suas armas, o exemplo máximo de manipulação emocional ocorre rumo à conclusão. Ullmann parece ter descoberto, em frente às câmeras, uma carta de amor sua à Bergman, escondida no bichinho de pelúcia do cineasta, marcada com coraçõezinhos vermelhos no papel. Ela chora diante da imagem, enquanto a câmera se aproxima do rosto e das lágrimas. Pela ordem do filme, aquilo certamente não poderia ter ocorrido no final das conversas (esta mesma carta já tinha sido citada antes), mas o cineasta reserva a cena mais emotiva para o fim. Da forma com que foi feito, Liv & Ingmar – Uma História de Amor se limita a uma reportagem repleta de boas intenções, a partir do diário íntimo uma grande atriz.