O conto da espada
por Francisco RussoCertas escolhas são incompreensíveis. Thomas Vinterberg, no auge da carreira após comandar o impressionante A Caça, resolveu promover uma reviravolta e dirigir um filme de época. Uma decisão inusitada pelo fato da filmografia do diretor ter sido toda direcionada para o inventivo e o não-convencional, da criação do movimento Dogma 95 à produção de filmes como Festa de Família, Dogma do Amor, Submarino e o próprio A Caça. Entretanto, a questão maior não é nem Vinterberg ter mudado drasticamente de estilo, mas a surpresa que é constatar o quanto se saiu mal nesta investida. Porque acredite: Longe Deste Insensato Mundo é ruim de doer!
Baseado na obra homônima de Thomas Hardy, o longa-metragem acompanha a saga de Bethsheba Everdene. Com um quê da Elizabeth Bennet de Orgulho e Preconceito, ela é uma jovem além do seu tempo que se recusa a casar e, ainda por cima, decide gerenciar a fazenda que herda do tio, algo impensável na Inglaterra do século XIX. Como reza a cartilha de todo bom filme de época, Vinterberg oferece ao espectador um punhado de belas paisagens e uma trilha sonora grandiosa, de forma a amplificar o poder e a importância da história. Com uma narrativa bem conservadora e linear, típica do gênero, a aposta inicial é no trinômio amores reprimidos, afirmação da mulher em uma sociedade machista e a inversão entre ricos e pobres envolvendo os personagens principais. Funciona, até a metade. É quando Bethsheba enfim decide se casar que tudo desanda de vez.
Há em Longe Deste Insensato Mundo algumas situações risíveis, como o fato de que, nos dois pedidos de casamento recebidos, a oferta do anel de noivado ser vinculada à promessa de um piano novinho em folha (???). Bethsheba apenas ouve os sinos do matrimônio ao presenciar uma demonstração da habilidade do terceiro pretendente com a espada (sem duplo sentido). É a deixa para a transformação da até então mulher forte e decidida em uma garotinha deslumbrada, que se deixa levar pelos beijos e carícias para, agora, seguir as ordens do marido. Ele, completamente estereotipado, passa a cada vez mais torrar a fortuna da esposa em jogos e bebidas.
Diante deste cenário, Vinterberg comete então o erro crucial e resolve acelerar - muito! - a história. A partir da desilusão ainda antes da noite de núpcias, Longe Deste Insensato Mundo oferece uma série de reviravoltas tão rocambolescas e mal desenvolvidas que tudo vira uma enorme piada, ainda mais com diálogos óbvios como o "vem uma grande tempestade por aí" como prenúncio das dificuldades que serão enfrentadas pela protagonista. Novela mexicana perde!
Repleto de problemas na narrativa, Longe Deste Insensato Mundo desperdiça o potencial de seu bom elenco. O único que consegue se sobressair (um pouco) é Matthias Schoenaerts, graças ao olhar sempre afável de seu apaixonado Gabriel. Carey Mulligan e Michael Sheen surgem burocráticos em cena, enquanto que Tom Sturridge está perdido em meio às inconsistências de seu personagem, o maridão Troy.
No fim das contas, o maior problema desta versão é o fato da história criada por Thomas Hardy ter sido decepada para que coubesse em um filme de menos de duas horas. Vale lembrar que o filme anterior baseado no livro, também chamado Longe Deste Insensato Mundo, tem 168 minutos de duração. Estes quase 50 minutos a mais fazem muita diferença na difícil tarefa de entregar ao público uma história convincente e consistente, algo que este novo trabalho de Thomas Vinterberg está longe de fazer.
Filme visto no 17º Festival do Rio, em outubro de 2015.