O som das baleias
por Francisco RussoA primeira cena já provoca um certo estranhamento: Leandra Leal deitada dentro de uma piscina, rodeada por outras piscinas parcialmente cobertas por panos pretos. A imagem em si instiga pelo diferente e assim será durante boa parte do filme. Afinal de contas, Éden segue o estilo pessoal do diretor Bruno Safadi, onde a narrativa é apresentada através de elipses numa trama não-linear repleta de simbolismos, na qual a história não é tão importante quanto as imagens e os sons apresentados ao espectador. Trata-se de um filme sensorial, onde o sentido tem privilégio frente à perfeita compreensão do que acontece na telona.
Ainda assim, Éden traz uma história com elementos bem interessantes. Especialmente a figura do pastor evangélico, um personagem que surge com uma frequência cada vez maior no cinema nacional justamente devido à expansão da religião junto ao povo brasileiro. Ao mesmo tempo em que a interpretação de João Miguel impressiona pela entrega ao personagem, com pregações entusiasmadas às pessoas à sua volta, ela é apenas o ponto de partida para a representação de todo um universo em torno dos cultos evangélicos. É maravilhosa a sequência em que Karine, personagem de Leandra Leal, é levada à Igreja Evangélica do Éden. Em meio aos dizeres empolgados do pastor Naldo e de todo um entusiasmo das pessoas presentes no local, em especial o crente interpretado por Júlio Andrade, o olhar de incredulidade da atriz diante do show que ocorre naquele instante diz tudo, sem pronunciar uma palavra sequer. É, ao mesmo tempo, a devoção extrema à religião e a desconfiança sobre esta mesma devoção, dois universos antagônicos representados com exatidão.
O olhar de Leandra Leal, por sinal, é um dos grandes destaques do filme. É através dele que a atriz compõe as diferentes facetas de sua personagem, seja ela de medo, desamparo ou até mesmo sedução. Sua personagem, Karine, na verdade está desesperada após o pai da criança que espera ser assassinado, restando apenas um mês para o término da gestação. Sua reação, gravitando em torno do pastor Naldo, nada mais é do que desespero absoluto. Ela não acredita nele, mas ainda assim o segue por não ver outra opção.
Infelizmente, Éden não consegue manter o pique inicial ao longo de todo o longa-metragem, apesar de ter apenas 73 minutos. O impacto inicial é em muito diluído devido à trama envolvendo a religião perder força, apesar dela ressaltar certas atitudes, positivas e negativas, do pastor Naldo. Os próprios personagens de João Miguel e Júlio Andrade são pouco desenvolvidos, fazendo com que os personagens se destaquem mais pela precisa caracterização dos atores do que propriamente sua participação na história. Ainda assim, Éden mantém o interesse graças às opções do diretor por sequências um tanto quanto enigmáticas, não apenas pelos simbolismos retratados mas também pela trilha sonora angustiante, baseada no som emitido por baleias. Bom filme, que faz do estranhamento e das belas atuações seus trunfos para conquistar quem tem ao menos algum interesse pelo cinema que foge (bastante) do estilo hollywoodiano de se contar uma história.