Polanski no teatro de novo
Roman Polanski revisita em “A Pele de Vênus” o formato de peça teatral de seu longa-metragem anterior “Deus da Carnificina” (Carnage, 2011), que reunia dois casais em uma discussão cada vez mais acirrada dentro de um apartamento. Porém, agora a intensidade, em vários sentidos, atinge proporções mais profundas.
Primeiro, desta vez são somente dois personagens em cena, Thomas (Mathieu Almaric) e Vanda (Emmanuelle Seigner). Ele, um autor de teatro fazendo audições para escolher a atriz principal de sua peça, baseada no livro de Leopold von Sacher-Masoch, publicada em 1870. Ela, uma das candidatas ao papel, que surge no final do dia, quando as audições já se encerraram. De início, ela aparenta ser uma aventureira sem talento, mas paulatinamente demonstra ao autor que não só está apta para o papel como também misteriosamente muito bem informada sobre a peça e até sobre ele próprio. Talvez ela tenha planejado o encontro para que parecesse casual para conseguir o trabalho, ou, quiçá, mais ainda.
Superada a primeira má impressão que Thomas tem de Vanda, se inicia um teste onde ambos representam os papéis da peça. A relação se intensifica à medida que a atriz provoca as emoções do diretor, cutucando as suas verdades interiores. O tema da obra, o masoquismo, ganha importância nessa provocação, despindo pouco a pouco as inibições do autor.
Além da óbvia metalinguagem do cinema conversando com seu irmão artístico mais próximo, o teatro, salta nas telas a referência à realidade da própria realização do filme. Emmanuelle Seigner é esposa na vida real do diretor e Mathieu Almalric se assemelha fisicamente a Polanski. Essa aproximação da ficção com a realidade aumenta as emoções do embate psicológico entre os personagens. Na mente do espectador, não é possível desvincular a ideia do casal Polanski nas telas. Isso aumenta a tensão da trama, carregando a estória para um desenlace perto do surreal, porém crível em parte devido a esse constante sentimento de romper o limite entre o filme e o teatro que está na estória, e este e a realização do filme.
Assistir “A Pele de Vênus” é uma experiência exaustiva, porque não navega em temas superficiais. Cada frase do diálogo cava mais fundo nas entranhas psicológicas que o autor da peça tenta aliviar através de seu personagem, e que a atriz e oponente no embate não permite deixar escondidas. É pesado, porém não enfadonho, já que Polanski investe em movimentos de câmera, desde o travelling inicial que leva das ruas para dentro do teatro, e em decupagem que prioriza o ritmo ágil.
Por Eduardo Kaneco