Memórias
por Francisco RussoQuem sou eu? Não é de hoje que esta famosa pergunta é tema dos mais variados gêneros, do suspense (Voltar a Morrer, Amnésia) à ação (A Identidade Bourne), passando ainda pela comédia (Como Se Fosse a Primeira Vez) e a ficção científica (O Vingador do Futuro). Não é à toa, já que a possibilidade de não ter uma identidade definida é bastante instigante no sentido de moldar um personagem sobre o que ele foi, o que é e até mesmo o que virá a ser. É esta variedade a grande atração em torno de Antes de Dormir, suspense estrelado por Nicole Kidman e Colin Firth.
O filme, a bem da verdade, é um grande quebra-cabeças onde o espectador é levado a testar possibilidades. A história gira em torno de Christine Lucas, uma mulher em torno de 40 anos que, devido a um trauma do passado, não consegue mais guardar as informações obtidas ao longo do dia. Ela simplesmente apaga tudo o que aprende quando dorme e, no dia seguinte, nada se lembra. Ou melhor, sua memória guarda informações de quando ainda tinha 20 anos, o que faz com que desconheça por completo quem é aquele homem que está ao seu lado dizendo ser seu marido. É a redescoberta de sua identidade, unificada pela aflição em saber o que aconteceu em sua vida para ser deste jeito, o elo central de toda a narrativa.
Diante das variadas perguntas levantadas por uma situação deste tipo, o roteiro segue tateando em busca de possíveis respostas. Investiga por um lado, dá com os burros n’água, parte por outro caminho, aparece algo promissor que pode (ou não) ser descartado e por aí vai. Há várias subtramas ensaiadas e não desenvolvidas, seja para confundir o espectador ou por mero desinteresse do autor. Para manter uma unidade, a trama apresenta uma câmera digital como elo entre um dia e outro. É através de declarações gravadas que Christine sabe melhor o que está acontecendo, a partir de pistas deixadas por ela sobre sua investigação diária. Só que estas mesmas declarações são muitas vezes enganosas, pelo medo inevitável diante do que ocorre. Em que confiar, no fim das contas?
Se por um lado este jogo de gato e rato entre Christine e seu passado prende a atenção, e ainda dá à trama um ar tenso decorrente da dubiedade inerente a tudo e a todos, por outro as teias que aos poucos se formam demonstram uma certa fragilidade. Por mais que o roteiro não traga rombos absurdos dentro da lógica narrativa, apesar de por vezes apelar a certos facilitadores, é muito simples reparar em possibilidades onde o desfecho exibido jamais aconteceria, o que prejudica na coerência do filme como um todo.
Ainda assim, Antes de Dormir é um filme interessante pelos rumos que o roteiro segue em busca de uma solução, sem saber logo de cara o que e onde procurar. Nicole Kidman compõe bem a protagonista assustada, enquanto que Colin Firth é protocolar na pele de seu companheiro Ben. Sem brilho, mas com uma boa dose de tensão decorrente das desconfianças crescentes, o filme cumpre com uma certa competência o objetivo de entregar ao público diversão em pouco mais de 90 minutos, por mais que ela seja bem mastigada para que, ao término da sessão, não haja qualquer dúvida sobre o que acabou de acontecer.