Meu querido dândi
por Bruno CarmeloApesar de ter sido casado com uma mulher, o escritor Oscar Wilde nunca foi muito discreto sobre sua homossexualidade. Manteve diversos casos com garotos mais novos, até ser condenado por crime de sodomia, preso durante dois anos e consequentemente rejeitado no mercado artístico. O filme dirigido por Rupert Everett se consagra não ao período áureo de Wilde, e sim à sua decadência. Por isso, nada de cenas do personagem escrevendo, criando, recitando. Seus dias são ocupados a pensar em como encontrar dinheiro e manter novos namoros sem escândalos.
Oferecendo a si mesmo o papel principal, Everett se diverte na composição de um protagonista bufão, irresponsável e irônico. Os diálogos são proferidos com afiado senso cômico, enquanto a gestualidade corporal é arquitetada ao limite do artificial. Não existe espontaneidade na imagem de um Wilde cheio de caretas, precisando ser o motor de cada cena. Este é um projeto de vaidades, sem dúvida – um presente de Everett a si mesmo. No entanto, embora exagere em determinadas cenas, o ator apresenta uma interpretação dedicada.
Em oposição a Everett, o resto do elenco está sutil, como se não quisesse roubar a atenção do protagonista. Colin Firth e Emily Watson possuem participações pequenas, afetivas, enquanto Colin Morgan e Edwin Thomas servem de sidekicks, ou seja, suportes para dar a réplica a Wilde em cada cena. Pelo menos, consciente desta distribuição de papéis, o roteiro consegue explorar de modo crítico o egocentrismo do escritor. The Happy Prince – referente a um conto escrito por Wilde – oferece um retrato agridoce dos relacionamentos afetivos, a maior parte vista como frustrada, interrompida ou falsa. O título reforça esta ironia.
A concepção estética não se mostra muito sofisticada: as cenas predominantemente noturnas são iluminadas por uma fotografia incapaz de criar contrastes ou volumes, ou mesmo valorizar o trabalho de reconstituição de época. Os enquadramentos se limitam ao academismo, focando-se nos rostos para sublinhar as atuações e a maquiagem, ou afastando-se num plano de conjunto para as conversas entre dois ou três personagens. Num filme guiado por provocações verbais, o resultado imagético é pouco estimulante – vide as pudicas cenas de sexo num projeto em que a afronta à moral constitui uma bandeira.
Ao menos, The Happy Prince evita a idealização de seu personagem, trocando a imagem do gênio pela concepção menos elogiosa do artista fracassado, buscando viver de suas glórias antigas, mas incapaz de escrever qualquer coisa à altura de seus clássicos. Everett talvez espere que este trabalho “de composição” (leia-se: a transformação sob a maquiagem pesada, os trejeitos de época) lhe valha um reconhecimento artístico maior. Talvez ele seja memorável principalmente pela aversão ao romantismo que costuma contaminar a biografia de artistas e grandes pensadores.
Filme visto no 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2018.