Estou cursando faculdade de administração atualmente. Estou no terceiro de quatro anos de curso. O cansaço do dia-a-dia de aulas misturado ao trabalho (inclusive nos meus fins de semana) é somente suprido quando imagino os benefícios que estudar podem me trazer – apesar de não ser uma área que eu goste realmente, posso ver facilmente as coisas boas que me agregam – mesmo que simples, muitas vezes.
Pois agora imagine todas as pessoas que levam este tipo de vida que o nosso sistema (e me refiro a um sistema no geral da humanidade), quando finalizarem seus cursos, ouvindo alguém dizer que é apenas uma “bobagem”, que não é necessário fazer isso para ser “alguém na vida” – e não! Eu não estou querendo dizer que quem estuda é superior a alguém que não estuda. O que estou querendo dizer é que se estudar não fosse algo relevante, muito provavelmente eu nem estaria compartilhando minha opinião sobre esse filme baseado no livro do apresentador e comediante (ou “comediante”, como alguns diriam) Danilo Gentili – afinal, foi através de estudos que existe a internet, este notebook no qual escrevo esse texto e, obviamente, a própria arte do cinema.
Ao contrário do que muitos estavam dizendo, o filme dirigido por Fabricio Bittar pouco se refere ao cenário politico brasileiro atualmente – era esperado isso devido a posição direitista de Gentili nas mídias sociais. O que o filme pretende tratar na verdade é algo menos emblemático, mas ainda sim (muito) relevante: a importância de estudar. Em tempos onde fica cada vez mais difícil conseguir emprego e garantir o próprio sustento, é algo absolutamente anacrônico surgir uma obra que diz que o serviço de professores e responsáveis pela educação é algo apenas enfadonho – e, claro, sei que o sistema educacional no Brasil é sofrível e que julgar a capacidade de um ser humano pela quantidade de respostas certas em uma avaliação é algo quase patético – mas, como diria o saudoso Dr. Enéas Carneiro, “a escola de hoje não é boa, mas (ainda sim) é melhor do que a não escola”.
Pois bem, vamos lá. Foco nesta produção que, além de ter esta posição duvidosa quanto aos estudos, também pretende instituir o bullyng como algo “natural” – demonstrando uma tremenda (e absolutamente artificial) opinião sobre o assunto – e não há espaço para discordar inclusive – afinal, a justificava é apenas “mimimi” – porque, para Danilo Gentili, todos precisam ter seus defeitos escrachados e levar numa boa – ora, alguns não ligam, outros sim – mas quem não aceita – como o autor também pensa – é “cabaço” – como se tivéssemos o direito de desrespeitar o outro de qualquer maneira. Acredito que uma piada entre conhecidos ou amigos é algo bem diferente de uma ofensa – e, isso, é algo que Gentili não sabe (ou não quer) distinguir.
O filme conta a história dos adolescentes Pedro (Pimentel) e Bernardo (Munhoz), dois alunos da grande escola Albert Einstein. Pedro está passando por dificuldades para atingir boas notas e com medo de ser reprovado nas provas finais – até que encontra, no banheiro da escola, uma caixa que guarda um caderno contendo informações e dicas de como ser um aluno ruim (o pior, no caso) e, ainda sim, conseguir passar de ano. Com a ajuda de Bernardo, eles vão atrás do autor do livro (o próprio Gentili) para tentar aprender essas “técnicas” – mas terão que enfrentar a vigilância implacável do diretor da escola (Villagrán), preocupado em manter a disciplina e os cuidados contra o bullyng na escola.
Acredito que um professor sinta-se frustrado e decepcionado só de ler esta sinopse. Veja bem: o filme inteiro é sobre um jovem que pretende aprender a colar em uma prova, já que quem vai ensina-lo se deu “bem na vida” fazendo isso – o personagem de Gentili é, na verdade, um farsante, que usa nomes falsos para invadir festas, andar de carros importados ou até mesmo roubar dinheiro – e, isso tudo, porque aprendeu a “arte” de colar em provas – aliás, é interessante como o próprio filme refere-se (duas vezes) que um médico precisa estudar, já que, do contrario, poderia deixar alguém morrer – para depois inverter as coisas para o resto das profissões – o personagem do até bom ator Daniel Pimentel sonha que sua “punição” por não ir bem na escola seja se tornar lixeiro – para depois Gentili querer dizer que ser lixeiro não é uma coisa ruim – “o Brasil precisa de mais lixeiros para limpar essa sujeira que o brasileiro faz”, diz ele.
A narrativa e roteiro de Como se Tornar o Pior Aluno da Escola é repleta de contradições – além dessas passagens citadas, também há um momento onde o personagem de Gentili quer que os dois rapazes parem de ler os livros escolares, rasgando-os e recomenda que leiam Fahrenheit 451, de Ray Bradbury – sobre um governo que queimava livros para deixar a população alienada e sem argumentos contra os que governavam – para alguém que diz publicamente defender a liberdade de expressão (mas levando em conta seus interesses pessoais, é claro), é bem contraditório afirmar algo assim – basicamente, ele diz: “não estudem, sejam alienados”.
Ah... mas para Gentili (e nem estou citando a direção de fachada de Fabricio Bittar) a resposta para quem seriam os responsáveis pela situação atual da educação do pais é a mais enfadonha e infantil possível: ora, a culpa é dos politicamente corretos, dos “mimizentos”, dos “cabaços” (nunca ouvi tanto essa palavra horrível em tão pouco espaço de tempo na vida antes) – isso é esfregado na cara do espectador pelo personagem do veterano e mexicano Carlos Villagrán (nosso eterno Kiko, do Chaves) – o diretor que tenta manter sua escola longe de bullyng ou tentando estabelecer uma alimentação saudável para os alunos – que, convenientemente e esquematicamente, começa a demonstrar contradições em seus comportamentos para se tornar o vilão da tola história – e é uma pena ver como o filme é mal dirigido ao constatarmos que quase metade das falas de Villagrán não são inteligíveis – dado o seu forte sotaque espanhol – o que torna seu personagem irritante a maior parte do tempo – e nem um momento onde ele repete uma clássica fala do seriado do Chaves consegue melhorar isso.
A falta de uma direção (e roteirização) real estraga inúmeras outras atuações – é lamentável ver a veterana Joana Fomm como uma professora rigida; ou Fábio Porchat vivendo um outro professor que faz uma piada sobre pedofilia - sim, uma piada, que nem de longe parece algum tipo de critica, finalizando com ele dizendo que uma criança (?!!!) negar masturbação para um adulto é “homofobia” ou desrespeito (?!!!!!!!). O garotinho Bruno Munhoz (o maior alvo das piadas do filme por ser mais gordinho e estudioso) precisa seriamente treinar em frente ao espelho para recitar com menos artificialidade suas falas – e ainda temos Moacyr Franco – esse sim um comediante de verdade – desperdiçado no papel do zelador da escola – e, sim, as piadas e seu jeito de falar foram as únicas coisas que conseguiram me fazer rir.
Inclusive, nem que negaceemos todas essas graves divergências temáticas da produção, não poderíamos realmente nos divertir – é quase inacreditável que Danilo Gentili acredite que piadas envolvendo pessoas tomando banho de urina ou fezes e brigas que terminem com alguém mordendo o testículo de outro sejam coisas engraçadas – ora, não sou um conservador para ficar achando que piadas chulas não são engraçadas, mas é inegável que o estilo cômico que o filme adota é realmente datado – provavelmente da época em que Gentili estudava (ou só colava e tirava proveito dos outros, pelo jeito) – é tão mal desenvolvido para suas gags que até a cena onde o famoso gemidão do WhatApp é escutado ele não é o mesmo que (infelizmente) temos que lidar no nosso dia-a-dia (pareceu dramático, não?).
Mas – ainda na busca por algo bom no filme – posso citar que, tecnicamente, o filme é bem feito – existe um certo cuidado com enquadramentos, com direção de fotografia (correta) – a forma como exemplifica certas passagens com animações representando o caderno do Pior Aluno é bem recriada e até usada pela direção de arte como forma de trazer uma certa agilidade narrativa. E a cena envolvendo a perseguição com uma van escolar é bem realizada – embora usem (descaradamente) o Fast Forward (para deixar a imagem mais veloz) – enfim, a montagem do filme é feita de maneira coerente.
E existe o recurso da metalinguagem, quando Gentili dialoga com Villagrán e ambos olham para a tela, dizendo que quem assistiria um filme baseado na história deles seria idiota – não concordo que sejam idiotas, mas que perdemos tempo sim. E também estou de acordo quando Villagrán cita algo (daquele jeito embolado) considerando que Danilo nem sequer é um comediante de verdade.
Enfim, a graça é subjetiva para as pessoas, obviamente. Mas o que é inegável, a meu ver, é a total falta de noção de Danilo Gentili para conceber uma história minimamente coerente dentro de sua narrativa e humor – entreter sem distorcer a realidade ou ofender os outros sem motivos nem de longe pode ser aceito como algo bom. E se ele quis expressar outra coisa, executou de maneira muito pobre e pouco clara.
Talvez se tivesse estudado mais na escola teria conseguido fazer isso bem.