Pouco política, nada correta, bem eficiente
por Rodrigo TorresHá alguns anos Danilo Gentili se destaca como defensor da plena liberdade da comédia no Brasil. Pode-se dizer que o comediante declarou guerra à “patrulha do politicamente correto”, posicionamento que, em âmbito mais amplo, ecoa seu viés à direita. Com isso, ele se tornou um Judas para militantes de esquerda. Com isso, ele se tornou ainda mais ácido, não perdendo oportunidade para fazer piadas incisivas sobre estereótipos, ao ponto de soar agressivo — o que compromete a sua comédia. Quando o anseio de atacar soa maior que o de fazer rir, Danilo perde a graça.
Diante dessa impressão pessoal, foi com grande surpresa que assisti ao seu primeiro longa-metragem como autor, roteirista, produtor e ator. Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola é uma comédia com todas as marcas de Danilo Gentili, e é engraçada. Não que suas piadas sejam essencialmente amenas; muito pelo contrário. Porém, aqui o bullying tem todo um contexto:o ambiente escolar, em que isso de fato acontece (criminalizar representação é uma bobagem); e a rebeldia do ato, sua má conduta, é enfatizada desde o título.
Em dado momento, o personagem de Danilo Gentili ainda surpreende em, após uma série de ofensas ao “cabaço” de que mais gosta de zombar, se mostrar tocado pela possibilidade de tê-lo ofendido. Mas é o término da sequência, com uma reviravolta pelo gordinho Bernardo (Bruno Munhoz), que melhor reflete a eficiência do filme: uma sucessão de gags bem encadeadas compondo o enredo. Como Se Tornar O Pior Aluno da Escola goza das principais características de uma boa comédia.
Grande parceiro de Gentili nesse filme e em projetos futuros, Fabrício Bittar é o diretor responsável pelo ritmo, pela coesão e por timing às piadas do roteiro. Quando necessário apresentar mais informações, a montagem se torna dinâmica, e todo o apelo visual do filme — aludindo ao diário de escola e aos desenhos de Danilo (que de fato existiram e são muito bem desfrutados pela direção de arte) — contribui para a agilidade do longa-metragem.
Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola, então, se revela um filme muito eficiente em elaborar toda uma aura de nostalgia que tanto remonta às memórias de Danilo Gentili, como a toda uma tradição de comédias adolescentes presente no consciente coletivo do público brasileiro. Ainda que não tenha a sofisticação e a sensibilidade — tampouco a ambição — da obra de John Hughes (Curtindo a Vida Adoidado), sua atmosfera tem um apelo universal que rememora uma época de desobediência juvenil que todo mundo, em graus diferentes e particulares, viveu no tempo de escola.
Assim, entre a vulgaridade pregada pelo Pior Aluno (que é base do humor do longa-metragem) e umas referências mais refinadas à literatura — a obra original de Fahrenheit 451 surge para mostrar que Gentili não fala sério ao defender a destruição de livros — e à política (ele não se conteve), o que resiste ao esgotamento das piadas e de um clímax muito bobo, nas sequências de luta e perseguição, é o elenco. Seja pelos jovens Daniel Pimentel (com uma dicção incrivelmente semelhante à do Danilo Gentili) e Bruno Munhoz, seja pelos atores veteranos.
É admirável a escalação de corpo tão heterodoxo e competente, dos globais Joana Fomm e Raul Gazolla ao insano Rogério Skylab. E enquanto Carlos Villagrán (seria seu português péssimo uma licença poética para a falha de comunicação com os alunos?) resiste pela nostalgia ao Quico da série Chaves, Moacyr Franco justifica seu lugar entre os maiores comediantes da história do país e rouba a cena mais uma vez (o Delegado Justo de O Palhaço é inesquecível). A Fábio Porchat cabe um momento engraçado e absurdo, cujo teor delicado deve render as maiores críticas ao filme — o que surpreende na mesma intensidade que preocupa Danilo Gentili: nem um pouco.