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    Bastardos
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Bastardos

    Um filme incômodo

    por Bruno Carmelo

    Claire Denis realmente não faz questão de facilitar a vida de seus espectadores. A diretora francesa, amante de imagens chocantes e temáticas obscuras, começa Bastardos com uma sucessão de cenas desconexas sobre personagens nada agradáveis. Esta ciranda de “canalhas” (título original do filme) é marcada por momentos de estupro, traição, assassinato, pedofilia, uso de drogas e outros. As imagens escuras quase não permitem ver os personagens dentro de suas casas ou caminhando pelas ruas à noite.

    Paira no filme uma sensação claustrofóbica, acentuada pelo fato de os personagens viverem em cômodos fechados, ou transitando por corredores sem janelas. Aos poucos, com idas e vindas no tempo, a montagem começa a mostrar algumas relações entre essas figuras: Marco (Vincent Lindon) é um marinheiro que nunca se importou com a família, mas retorna para visitá-los quando o cunhado morre; sua irmã, Sandra (Julie Bataille), tenta esconder os problemas de Justine (Lola Creton), sua filha com tendências suicidas. Enquanto isso, Marco relaciona-se de maneira brutal com a vizinha Raphaëlle (Chiara Mastroianni), espécie de esposa-troféu de um milionário deplorável, Edouard (Michel Subor). Os coadjuvantes contribuem ao painel desolador: são médicos arrogantes, cafetões perversos, garotas manipuladoras e irresponsáveis.

    Como se as atitudes dos personagens já não fossem desagradáveis o suficiente, a história não traz nenhum elemento para identificação do espectador: não existe um personagem principal, não se enxerga a narrativa pela ótica de nenhum deles. Sem se envolver, o público observa essas relações de longe, friamente. Talvez o maior incômodo desta produção seja presenciar tantas atitudes condenáveis sem poder defender ou atacar ninguém. Ao mesmo tempo, este também é o trunfo de Bastardos: provocar o espectador, transformar um “filme noir” banal em uma obra sem amores, nem ódios, retratando a violência como algo simples e rotineiro.

    É possível que nem todo mundo aprecie esse cutucão, essa experiência voluntariamente desagradável, mas Claire Denis sabe mexer com os nervos, construindo com paciência a evolução de cada personagem. A trilha envolvente dos Tindersticks se encarrega de dar ritmo ao filme, sem glorificar nenhuma cena, nem aumentar a dramaticidade. No final das contas, a conclusão das histórias pessoais importa pouco. Vale mais a pena vê-los se cruzando, se trombando e se machucando, neste retrato bastante pessimista sobre as relações entre os seres humanos.

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