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    Rastro de Maldade
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Rastro de Maldade

    Missão de resgate

    por Francisco Russo

    A cena de abertura de Bone Tomahawk diz muito (mas não tudo) sobre o filme: um homem sendo degolado, com a faca pouco afiada roçando seu pescoço. Por mais que seja um momento angustiante, o diretor estreante S. Craig Zahler poupa o espectador e não mostra o exato instante em que é morto – ouvimos apenas o grito derradeiro de dor e súplica, com a câmera focada no assassino. Assim será durante boa parte do longa-metragem, com cenas tensas amenizadas pelo enquadramento pré-definido. Entretanto, o que aparentemente sugeria uma preocupação prévia com a classificação etária logo se revela uma esperta tática adotada para ressaltar a brutalidade e o horror dentro da história apresentada. Zahler na verdade não queria poupar o espectador, mas não gastar todos seus truques logo de cara.

    Com a proposta do inusitado em mente, Bone Tomahawk desafia as análises pessimistas em torno do gênero e demonstra que há, sim, vida no faroeste. A novidade fica por conta do flerte escancarado com o gore, dosado no decorrer da trama de forma que jamais seja gratuito. Apesar disto, pode-se dizer que o longa seja um faroeste clássico: há o xerife, baluarte da lei e da ordem encampado com competência por Kurt Russell e seu gigantesco bigode; o especialista em armas Matthew Fox e seu estranho sotaque; o delegado reserva interpretado pelo ótimo Richard Jenkins e o sempre humano Patrick Wilson, desta vez como o marido desesperado que, por mais que tenha um sério problema numa das pernas, não pensa duas vezes antes de partir para salvar a amada.

    Cabe ao quarteto a difícil tarefa de resgatar um prisioneiro, o subdelegado e a enfermeira das garras de uma tribo indígena selvagem. A trajetória segue o ritmo clássico dos filmes do gênero, envolvendo as dificuldades inerentes do ambiente desértico e o confronto com o desconhecido, tudo em uma realidade controlada apenas por homens. O grande mérito de Zahler, também roteirista do longa-metragem, é saber mesclar os estereótipos tão conhecidos com um certo frescor, ao contrapô-los em situações inesperadas. Neste sentido, merece destaque o carinho demonstrado junto ao personagem de Richard Jenkins, o coração da trupe e também de uma ingenuidade e ética que remetem a vários filmes do gênero. É como se, através dele, Zahler estivesse prestando uma homenagem particular.

    Com boas atuações do elenco como um todo, Bone Tomahawk também brilha na fotografia de Benji Bakshi. Explorando com habilidade as sombras, graças à iluminação precária existente na época, Bakshi aos poucos adota uma ambientação bastante iluminada, especialmente quando a missão de resgate chega ao campo aberto no deserto, e ainda intercala tomadas em que acompanha as caminhadas dos personagens com a câmera na mão. Tais definições não apenas ajudam, como são parte importante da condução da narrativa.

    Intenso e até surpreendente, Bone Tomahawk é daquelas gratas surpresas que deixam qualquer cinéfilo com um sorriso estampado pela descoberta feita. Afinal de contas , garimpar preciosidades também faz parte do trabalho de todo amante da sétima arte. Muito bom.

    Filme visto na 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2015.

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