Triste velhice
por Bruno CarmeloO título deste drama pode parecer poético, mas ele está repleto de ironia: na trama, “Os Belos Dias” é o nome de um clube moderno para idosos, do tipo que usa eufemismos como “melhor idade” e tenta convencer seus clientes de que estão vivendo uma fase incrível de suas vidas, um momento colorido e despreocupado não muito diferente da infância. Mas Caroline (Fanny Ardant) não se sente assim: ela acabou de se aposentar, sua grande amiga morreu, e a ideia de envelhecer não lhe parece um parque de diversões.
Para piorar a situação, esta mulher casada é vista como um ser passivo pela família: na nobre tentativa de ajudá-la, as filhas adultas compram bônus para o tal clube de idosos, pensam em como ocupar o seu tempo, sem jamais perguntar à própria mãe o que pretende fazer com as horas livres. Talvez por isso, Caroline se entregue tão facilmente aos braços do jovem Julien (Laurent Lafitte), que representa o oposto do comportamento familiar: ele não se importa com a idade dela, nem com sua ocupação. Julien vive no tempo presente, algo irresistível para uma personagem que se sente ultrapassada.
Fanny Ardant está muitíssimo acostumada ao papel de mulheres fatais, mas em Os Belos Dias ela compõe uma personagem oposta à mulher experiente e predadora. Ela se deixa levar, instintivamente, como se o adultério fosse um pequeno projeto curioso, uma nova atividade proposta pelo clube. A diretora Marion Vernoux tem grande tato para essas questões, tratando o amor e a sexualidade acima dos 60 anos com respeito, evitando dois viés comuns na representação de idosos: o fetichismo e a dramaticidade excessiva. Os tons da fotografia são naturais e pouco contrastados, a música é leve, baixa, os cortes da montagem são invisíveis, como se nenhum aspecto técnico quisesse chocar o espectador, apenas carregá-lo sem sobressaltos pela narrativa fluida.
Sem conhecer o livro que forneceu o material ao filme, fica a impressão de que a trama literária é muito rica nos diálogos realistas e nas descrições humanas. As conversas no filme são louváveis por tratarem Caroline como uma mulher decidida, ativa, e por tentarem enxergar o mundo por seus olhos. As falas corriqueiras (sobre Internet, vinhos, passeios) deixam transparecer a melancolia diante do envelhecimento, do sentimento de inutilidade decorrente da aposentadoria. Todo o elenco (que também inclui Patrick Chesnais) parece confortável com o próprio corpo, com a aparência não idealizada, atuando assim de maneira diminuta, despreocupada, natural. Não há lágrimas, nem explosões de raiva ou alegria neste filme contido, em que todos sofrem em silêncio, e tentam se reconciliar “como adultos”, ou seja, sem escândalos, sem grandes paixões. Existem diversos momentos memoráveis, como a cena do aeroporto ou as confissões amorosas com as filhas de Caroline, em que a trama consegue representar de maneira comovente o conflito entre gerações e a desolação da protagonista.
A idade avançada é o argumento principal para evitar as efusões: “Eu não tenho mais idade para te reconquistar”, diz o marido traído, “Eu não tenho idade para viagens deste tipo”, diz a esposa. Os Belos Dias é inteiramente focado no tempo perdido, nas coisas que “não convêm mais” socialmente a uma mulher de 60 anos. Os personagens se sentem patéticos por ainda amar, ter desejo sexual – coisas que parecem reservadas aos jovens. Por questionar de maneira tão profunda a passagem do tempo, Os Belos Dias é um filme ao mesmo tempo complexo e acessível, doce em sua forma e amargo no conteúdo.