Este é um daqueles filmes que, daria um livro só de crítica sobre o mesmo. São vários “assuntos” mostrados na tele que um espectador menos atento pode não ver sentido algum. O início dele mostra de forma escrita algo que é descrito como Holodomer, ou Holocausto Ucraniano. O termo significa literalmente: “matar de fome” e refere-se a um genocídio promovido por Joseph Stalin, quando ele foi o todo poderoso da União Soviética. O roteiro é baseado em um livro escrito por um autor inglês.
A melhor definição de comunismo está nesta música do conjunto THE POLICE
Como o filme retrata a vida durante um período da história, no qual o comunismo imperava naquela parte do mundo, é necessário que se defina o termo para que se entenda o impacto dele na vida das pessoas normais. É necessário que por mais que se pense na tirania de um regime, as pessoas que vivem sob ele, podem ter diferentes comportamentos por causa disto.
crimes-ocultos
O primeiro comportamento que gostaria de mostrar, e que é mostrado no filme é o relacionamento conjugal. Alguns críticos falaram sobre a falta de “química” do casal mostrado no filme, como se o comportamento humano fosse baseado nos fluidos corporais, como os gregos pensavam 3 mil anos atrás. Acontece que o ser humano é um tanto mais profundo do que a fleuma grega, que pode catalogar alguém em depressivo, entusiasmado ou coisa do gênero.
O filme mostra então um casal, formado por um alto oficial do partido comunista com uma mulher que casou com ele por “medo”. E como definiria Carlos Drumond de Andrade, em seu poema: Congresso Internacional do Medo, “Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos. Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços”. É possível então notar esse medo esterilizando, até uma relação sexual entre marido e mulher. E cada gesto dela, em relação a ele, é explicada na cena em que ela se abre e diz que casou com ele por medo de ser denunciada e morta por uma política opressora. E o filme é cheio destes medos, feitos principalmente na forma de pequenas chantagens entre os personagens.
O outro medo nas relações humanas, feita de modo oficial é o pavor que existe em alguém ser denunciado como homossexual. Qualquer um que conheça a Rússia sabe como este assunto é tratado por lá. O grande problema neste aspecto é que este medo de ser gay não vem apenas dos que o são. Ele habita também a mente dos que não são. É um medo meio paranoico de não ter tempo de provar, antes de levar uma bala oficial no meio da testa. Essa sensação apavorante de que ele não é apenas membro da Grande Pátria Mãe, ele é propriedade dela. Não é só a propriedade que foi estatizada, foi o ser humano. E o que sobre quando não somos donos de nós mesmos, é a certeza de uma escravidão apavorante em todos os sentidos.
O grande achado do filme é mostrar que o ser humano é um indivíduo. Por mais que ele seja coletivizado ou escravizado, sempre terá atitudes das quais prestará contas apenas à sua consciência. A primeira mostra de que este é o assunto do filme, e que veio do livro, é o título original: Child 44 (Criança 44). Apesar de todos os garotos que foram assassinados e cujo crime é, ilegalmente, por Leo Demidov (Tom Hardy), ele tem um motivo próprio para investigar o crime. O fato de seu sobrinho ter sido assassinado do mesmo modo que os outros. Este é o primeiro indício de que a coletividade nunca irá superar o individualismo humano.
Outra cena que mostra esta característica única do indivíduo humano, é mostrado na cena em que o mesmo personagem impede que um outro oficial, Vasili (Joel Kinnerman) mate duas crianças das quais acabou de matar os país, para que servisse de exemplo. E esta é a característica principal de qualquer coletividade forçada. Ninguém quer servir de exemplo.
Em relação à investigação do crime, feita de forma não oficia, é interessante notar que o filme não mostra se o assassino, em algum momento se os crimes foram praticados por motivos sexuais. Entretanto a que se notar que todas as vítimas são meninos. E que o assassino, do mesmo jeito que o investigador e o outro oficial mencionado são órfãos que moraram no mesmo orfanato. Fica assim estabelecido também o caráter individual do ser humano. Todos tiveram as mesmas oportunidades, estiveram nas mesmas guerras, mas cada um preferiu seguir um caminho psicológico.
Creio que o ponto positivo mais marcante do filme, seja a mudança de atitude da relação da esposa de Leo. No momento em que ele dá a ela toda a chance de livrar-se dele, inclusive com documentos que lhe permitiriam ter uma vida própria ela escolhe ficar com ele. Algo que este filme põe uma pá de cal, é no conceito do amor romântico. No eu te amo porque te amo e pronto. Não consigo viver sem você e vou ser seu escravo psicológico. Do mesmo modo que ele não quer que ela fique com ele por medo, ele também não quer que ela fique por obrigação. O amor verdadeiro supera qualquer dificuldade ruim e faz que ele seja livre. A cena do filme que mais define o amor é dita por Leo, para sua esposa: “Eu prefiro passar minha vida inteira nesta espelunca, com você, do que viver 5 minutos, sem você, em Moscou”. Isto sim é amor: compromisso. O resto é história da carochinha.
De resto não tem como uma pessoa equilibrada não gostar de um filme destes.