Enigma em preto e branco
por Francisco RussoPor mais que Rio de Janeiro e São Paulo sigam como os maiores produtores do país, vem de Pernambuco o cinema mais instigante produzido no Brasil já há alguns anos. Enquanto os estados do sudeste optaram por apostar em filmes claramente comerciais, alguns até interessantes mas quase sempre seguindo uma fórmula facilmente percebida, os cineastas pernambucanos têm ousado no tema, na narrativa e até mesmo na estética. É o caso de Boa Sorte, Meu Amor, filme de estreia do diretor Daniel Aragão, que se destaca justamente ao provocar no público uma estranheza saudável diante do que é visto em cena.
Inteiramente em preto e branco, o longa-metragem traz ao espectador uma história que, a bem da verdade, não é tão importante assim. O fio condutor é o romance entre o arquiteto Dirceu (Vinicius Zinn, apenas correto) e a estudante Maria (Christiana Ubach, muito bem) ao longo de três partes claramente identificadas. A questão maior não é o que acontece entre Dirceu e Maria, mas sim como acontece. A belíssima fotografia, onde as luzes e a fumaça são bem exploradas pela ausência de cores, e a trilha sonora impactante trazem ao filme um ar enigmático ampliado pela ausência de grandes explicações sobre seus personagens principais. Muito do que se sabe sobre ambos é através do ambiente em que vivem e, ainda assim, esta percepção cabe ao olhar atento do espectador.
Diante desta proposta, Boa Sorte, Meu Amor bebe diretamente do cinema noir para criar em Maria a imagem da mulher fatal, perigosa e sedutora, que hipnotiza o público com seu olhar penetrante. O maior exemplo é o belo e longo plano-sequência em que o diretor focaliza apenas o rosto da protagonista, sem muito dizer sobre o que ela está fazendo ou quem é. O fato da própria Christiana Ubach ser desconhecida (ela havia feito Malhação anos antes, mas com outro nome artístico) amplia o enigma, já que a atriz não traz para a tela sua vida pregressa. Quem é Maria? é a pergunta que norteia todo o filme.
Como pano de fundo para os questionamentos em torno de sua protagonista, Daniel Aragão oferece temas bastante atuais do Recife, local onde a trama acontece, como a verticalização cada vez maior da cidade (algo também abordado por O Som ao Redor e Era uma Vez Eu, Verônica). O filme perde um pouco de força no terço final, quando a história fica um tanto quanto etérea demais, mas ainda assim permanece interessante graças à narrativa e a estética diferenciadas, aliadas a uma divertida homenagem aos faroestes dirigidos por Sergio Leone.
Inventivo e ousado em sua proposta, Boa Sorte, Meu Amor é um belo cartão de visitas para o diretor Daniel Aragão e (mais) uma demonstração da força criativa que existe hoje no cinema pernambucano. Pode até não fazer milhões de espectadores, mas é cinema na mais pura essência. Muito bom.