Minha conta
    O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos

    O mal do ouro

    por Francisco Russo

    Por mais que pertençam ao mesmo universo criado por J.R.R. Tolkien, e tenham uma equipe criativa praticamente idêntica, existem diferenças consideráveis entre as trilogias O Senhor dos Anéis e O Hobbit. Independente de uma história ser mais infantil que a outra, fato é que o modo de produção de ambas foi decisivo para o resultado final. Senão vejamos: a decisão em adaptar O Senhor dos Anéis em três filmes, todos rodados de uma só vez, foi um ato de extrema coragem (e confiança no projeto) vindo da New Line Cinema. Afinal de contas, era uma quantia considerável a ser investida e ainda não havia a certeza de que a série se tornaria o fenômeno cultural tão conhecido na atualidade, tanto pelo lado da crítica quanto pelo do público. Já O Hobbit nasceu quando a saga estava consolidada, era sucesso garantido. Tamanha certeza fez com que uma decisão crucial para a nova trilogia fosse tomada: a adaptação de um livro em três filmes.

    Por mais que o diretor Peter Jackson incluísse nos roteiros alguns contos inacabados escritos pelo próprio Tolkien e situações para interligar as duas trilogias, reaproveitando personagens como Frodo (Elijah Wood) e Legolas (Orlando Bloom), o material disponível não necessitava de três filmes para ser apresentado ao público. Trata-se de um contrassenso até mesmo em relação a O Senhor dos Anéis, cujos três livros foram enxugados para que rendessem, cada, um longa-metragem em torno de três horas de duração. Diante desta decisão de fundo econômico (assim como o uso do 3D), a nova trilogia foi de antemão prejudicada. A irregularidade no ritmo de narrativa é nítida nos três filmes, com o roteiro se prolongando em cenas desnecessárias ou dando destaque demasiado a personagens sem tanta importância assim. Ok, há fãs que pregam o “quanto mais, melhor”. Mas em cinema nem sempre o mais extenso significa qualidade, caso contrário era só pegar a lista dos filmes mais longos da história e automaticamente classificá-los como os melhores de todos os tempos. Discernimento sobre o material que tem em mãos é essencial na realização de um grande filme.

    Diante deste problema de berço, é importante dizer que O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos é um bom filme. Melhor que Uma Jornada Inesperada, inferior a A Desolação de Smaug. O conhecido apuro técnico está lá, seguindo o padrão Peter Jackson de filmes na Terra Média: as belas panorâmicas da Nova Zelândia (marca registrada das duas trilogias), efeitos especiais impressionantes, a variedade de seres criados por Tolkien em seu habitual detalhismo visual, a trilha sonora competente de Howard Shore. É bem provável que A Batalha dos Cinco Exércitos consiga algumas indicações técnicas no próximo Oscar, como reconhecimento a tamanha qualidade. Entretanto, mais uma vez, existem problemas de roteiro – e, desta vez, a questão maior é a divisão de dois em três filmes no meio da produção da nova série.

    A Desolação de Smaug tinha como grande atrativo o dragão do título, um personagem não apenas ameaçador mas extremamente carismático, seja pela ótima dublagem de Benedict Cumberbatch ou por sua própria personalidade. Smaug está de volta em A Batalha dos Cinco Exércitos, mas em uma participação tão curta que soa mais como um epílogo do filme anterior. É bem verdade que seu ataque à Cidade do Lago traz algumas das cenas de ação mais interessantes deste novo filme, além de ressaltar a figura de Bard (Luke Evans) como o grande herói desta nova trilogia, mas há um desajuste claro de narrativa ao analisar o longa-metragem como um todo. A Batalha dos Cinco Exércitos começa já no ataque (é essencial ter visto os dois anteriores para o bom entendimento da trama) e, logo em seguida, praticamente o abandona para contar uma outra história – decorrente da primeira, é verdade, mas que aparenta estar desconectada com o início do próprio filme. Uma situação que poderia facilmente ter sido resolvida (ou ao menos melhor apresentada) caso coubesse ao segundo filme resolver a situação de Smaug para, neste terceiro, avançar na questão em torno de Thorin e os anões. Esta, por sinal, é um dos grandes trunfos deste terceiro episódio.

    Desde o primeiro filme, um dos personagens mais interessantes desta nova série é Thorin (Richard Armitage). Não propriamente pela coragem demonstrada ou sua habilidade em lutas, mas pela mistura de sentimentos: rancor pela expulsão dos anões de Erebor, desconfiança em relação a qualquer pessoa que encontre, lealdade em relação aos companheiros de jornada e um certo orgulho inerente aos próprios anões. Neste terceiro filme, Thorin passa por transformações psicológicas, decorrentes do sucesso de sua empreitada. Por mais que seja uma situação também alongada além da conta, trata-se da verdadeira mola mestra de A Batalha dos Cinco Exércitos, ofuscando a resolução do caso Smaug. A boa atuação de Richard Armitage, associada ao seu olhar penetrante, ajudam bastante a fazer com que o público embarque nesta jornada do personagem rumo à conquista de Erebor.

    No mais, A Batalha dos Cinco Exércitos investe pesado na cena de ação que dá título ao filme. Extremamente bem feita pelo lado técnico, mas com poucos momentos de emoção propriamente. A não ser quando Legolas entra em cena, protagonizando mais uma de suas sequências absurdas que tanto dão prazer a quem o assiste em ação. O desfecho guarda também algumas cenas tocantes, e até surpreendentes, em sua inevitável jornada rumo ao início de A Sociedade do Anel.

    No fim das contas, a trilogia O Hobbit fica marcada muito mais pelo lado técnico da produção e o reencontro com o mundo mágico de Tolkien no cinema. Todos os filmes são divertidos e de um apuro técnico impressionante, mas também irregulares. O exemplo maior neste terceiro episódio é o destaque dado a Alfrid (Ryan Gage), personagem de terceiro escalão que poderia até mesmo ser excluído sem demérito algum à história (voltamos então à questão do material de menos para filme demais). Ainda assim, a nova trilogia deixa para a posteridade dois grandes personagens, Thorin e Smaug, que merecem ser lembrados ao lado de Gandalf, Frodo, Legolas, Gimli, Sam, Aragorn, Saruman e tantos outros de O Senhor dos Anéis. Mas, ao contrário da primeira trilogia, O Hobbit não se sustenta por si só. Boa parte da força de seus personagens e do proveito da história como um todo vem justamente do que foi exibido antes, habilmente conduzido por Peter Jackson de forma a explorar, também, o sentimento de nostalgia junto ao espectador.

    Quer ver mais críticas?
    Back to Top