Já havia dito aqui e tinha certeza do quão difícil seria eu desgostar desse filme. E foi mesmo. Matheus Souza é quase um precursor de um tipo de cinema indie aqui no Brasil, algo que se aproxima bastante do mockumentary, que trouxe filmes badaladíssimos nos últimos anos no cinema independente americano, mas, ao mesmo tempo, tem uma identidade muito própria, muito pertencente ao nosso cinema. Aqui, o discurso é bem parecido com o de Apenas Um Fim, seu filme de estreia, mas com um pouco mais de recursos, vai pra um caminho oposto. O da descoberta, do dilema às portas da vida adulta, da dificuldade de encontrar o seu próprio espaço dentro dessa nova sociedade em que vivemos. A algumas pessoas, falta o senso de percepção de notar o quanto esse tipo de discurso reflete o mundo atual em que vivemos, já muito diferente de dez anos atrás, e a mente das pessoas que passam pelas mesmas preocupações e incertezas de Clara, ou Guilherme, ou qualquer outro ser representado nesse roteiro. Porque nenhum dos personagens fazem ideia do que estão fazendo com as próprias vidas, e está aí a sacada principal: há uma universalidade na problemática criada pelo roteiro. Não acho que o filme seja complacente com a própria vida que Clara leva, por exemplo. Até porque, nem ela própria sabe se aquilo que ela faz é correto ou bem visto pelos outros. Ela não sabe qual caminho seguir, o que quer fazer ou mesmo que encontre o que quer fazer, de que maneira poderia fazer tal coisa. Daí fica evidente a influência familiar em Clara, quando absolutamente todos os seus familiares cursaram o mesmo curso ao qual ela se sentiu intrinsecamente forçada a realizar. A cena crucial para a tal virada da personagem, é muito bonita também por demonstrar quais os pontos em que ela se perdeu (ou deixou de se encontrar), e por deixar claro o quanto aquela menina está em transformação, vivendo apenas uma parte da vida, o início, e como aquilo tudo ainda pode mudar, tanto ela quanto as pessoas ao redor. Mesmo que, naquele ponto, ela ainda não faça a menor ideia do que fazer com sua vida.
Mas, além do estudo de personagem - que nem é lá tão intenso no filme - tecnicamente ele tenta se posicionar no ponto em que se passa o filme, seja pela trilha-sonora ou pelos jump cuts, usados em demasia, tão característicos da linguagem virtual que convivemos diariamente. Quando Matheus resolve colocar a câmera nas mãos de seus personagens pra realizar a produção de um pseudo-documentário, por exemplo, filmando pessoas reais falando sobre coisas banais de uma vida vivida apenas por eles, ele pode estar 'atirando para todos os lados', mas causa um efeito muito bem humorado da aproximação do filme com o publico ao qual ele quer direcionar. O humor, aliás, está sutilmente presente durante toda a projeção, seja nas piadinhas, nos trocadilhos, nas situações cotidianas de fácil identificação ou nas referências. Aliás, aqui, diferentemente de Apenas um Fim que é um poço de referências, jogas a todo minuto nas fuças do espectador (com classe), o roteirista-diretor dosou bem a sua mão... elas são pontuais e, de certa forma, aconchegam quem está acompanhando a história por reconhecer ali elementos de convivência clara, como Facebook e Mark Zuckerberg, Instagram, realities shows, etc.
E é isso. Curti muito o filme. É bem feito, é corajoso, é quase um ovni dentro do cinema brasileiro, mesmo que o cinema-autoral brasileiro, e foi bem legal (re)ver Clarice Falcão. E olha que isso aqui é antes dela estourar e se tornar, de verdade, Clarice Falcão. Ela tá bem, competente, e Clara parece ser feita todinha pra ela. Ao contrário de Guilherme. Porém, Rodrigo Pandolfo está muito bem, dribla todos os obstáculos e adiciona um tom alheio ao seu personagem, como se convidasse o espectador a rir com o personagem, e não dele. Mas, identifico uma particularidade nesse filme que vai trazer muita gente pra odiar e repudiar aquilo que está assistindo. Muito parecido com o que aconteceu com 'Elena' esse ano mesmo, mas diferente, porque aqui é realmente ficção. É uma pena. Se já não gosta da galera que faz esse filme, tem que ver de peito aberto, de preferência sem esperar muito.