E A VIDA CONTINUA?
O espírito Emmanuel afirma: “A maior caridade que se pode fazer pela Doutrina Espírita é a sua divulgação”. De uns tempos para cá filmes, séries e novelas têm apostado numa corrente espiritualista. Digo espiritualista, não espírita, uma vez que muitos conceitos veiculados não estão plenamente de acordo com a doutrina cristã codificada pelo francês Allan Kardec e inaugurada oficialmente com o lançamento de O Livro dos Espíritos em 18 de abril de 1857. Nesses 155 anos os livros têm sido a principal fonte de divulgação do Espiritismo, sobretudo no Brasil, a maior nação espírita mundial. Nosso país travou conhecimento com os fenômenos das “Mesas Girantes” – evento que levou o professor e escritor Hippolyte Leon Denizard Rivail a iniciar o seu processo de pesquisa científica que culminou no Espiritismo – entre 1853 e 1854 através de publicações no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, do Diário de Pernambuco, de Recife e pelo O Cearense, de Fortaleza, comentando os prodígios que aconteciam nos Estados Unidos da América e na Europa. Esses livros, em várias linguagens literárias, são escritos em sua maioria através da psicografia, fenômeno no qual um desencarnado dita e/ou escreve através de um médium, pessoa capaz de promover o intercâmbio entre os dois planos de existência. A Federação Espírita Brasileira – FEB, disponibiliza no seu site www.febnet.org.br várias publicações para download, além de mensagens e a Revista Reformador – http://www.sistemas.febnet.org.br/reformadoronline/revista/ – que desde 21 de janeiro de 1883 segue ininterruptamente divulgação a Doutrina Espírita. Há um link ainda para sua editora – http://www.febeditora.com.br/ – onde se pode acessar o catálogo completo de obras e solicitá-las em domicílio.
Com o surgimento de novas mídias as informações sobre o mundo espiritual e a doutrina trazida à luz por Kardec ganhou novos caminhos. O primeiro filme brasileiro considerado espírita e que me lembro de ter assistido foi Joelma 23º andar, dirigido em 1979 por Clery Cunha e tendo Beth Goulard como protagonista. Foi baseado no livro Somos Seis, psicografado por Francisco Cândido Xavier e que retrata o trágico incêndio do edifício Joelma que vitimou 179 pessoas e feriu outras 300 em 1 de fevereiro de 1974. Chico Xavier (Brasil, 2010), dirigido por Daniel Filho a partir do livro As vidas de Chico Xavier, do jornalista Marcel Souto Maior – posteriormente transformado em série televisiva com acréscimo de cenas não mostradas no cinema –, Nosso Lar, também de 2010, com roteiro e direção de Walter de Assis a partir de um dos mais famosos livros espíritas já publicados e As Mães de Chico (Brasil, 2011), roteirizado e dirigido por Glauber Filho, são os exemplos mais atuais dessa safra, além de novelas com citações e temáticas que refletem direta ou indiretamente a vida espiritual como tema.
O mais recente produto desse filão é E a vida continua. Produzido em 2012 com um orçamento de 2 milhões de reais é baseado no 13º livro de uma série que retrata o mundo espiritual, tendo sido ditado pelo Espírito André Luiz ao médium Chico Xavier, o filme não chega aos cinemas com o mesmo estardalhaço dos seus predecessores. O próprio As Mães de Chico teve uma publicidade e veiculação muito tímida perto dos outros dois, inclusive Nosso Lar, louvado como uma mega produção para os padrões brasileiros. E a vida continua teve sessão especial na sede da Federação Espírita no Rio de Janeiro e na abertura da 22ª. Bienal Internacional do Livro de São Paulo, entrando no circuito comercial no último dia 14 de setembro. É absolutamente lamentável afirmar isso, mas a película é extremamente mal feita. Enquanto produto artístico não vale o valor do ingresso. Enquanto propaganda é um despropósito. Uma senhora ao meu lado no cinema comentou com a filha que mesmo sendo muito ruim “a mensagem é boa, né?!” e saiu da sala de exibição como muitos outros, com um sorriso amarelo de constrangimento. Tudo no filme é inconsistente, medíocre, raso. As locações e os figurinos são pífios; os enquadramentos, o tratamento das imagens e do som de péssima qualidade, sobretudo quando utiliza efeitos visuais, como na sequência dos planos inferiores. O que mais provoca desagrado, no entanto, são a trilha sonora – incoerente, irritante, despropositada –, o roteiro tosco, didático, mesmo maniqueísta e as interpretações dos atores de uma pieguice e falta de vigor absurdas, quase um dramalhão mexicano, só que sem a graça de um estilo que já virou cult de tão clichê. Até a montagem do filme nos remete a uma imensa palestra sem ação, sem um motivo ou uma falha trágica que encaminhe os personagens que se entrelaçam como cabelos ao vento, a um fim. Com a palavra o diretor, roteirista e produtor Paulo Figueiredo.
E a vida continua é um grande equívoco e por mais que se tente justificar suas falhas com a desculpa de que ele se presta ao fim a que se propôs, não mudará o fato de que é imperioso o cuidado com qualquer produção que se preste a ser um veículo de divulgação e a FEB quer sim alargar as fronteiras do Espiritismo no Brasil, ou não daria sua chancela a essa produção, não disporia um site tão completo quanto o seu, não mesmo venderia livros distribuindo a mensagem da Verdadeira Vida pelo mundo afora. Ir ao cinema, pagar um ingresso e receber um tal produto é de uma falta de respeito enorme e mesmo com muito boa vontade, ser caridoso com algo assim é prestar um desserviço a uma filosofia que no seu pendão libertário e consolador é de uma beleza sem par.
HUDSON ANDRADE
15 de setembro de 2012 AD
10h47