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    Chatô - O Rei do Brasil
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Chatô - O Rei do Brasil

    Uma história brasileira

    por Francisco Russo

    Tom Jobim já dizia: “o Brasil não é para iniciantes”. Chatô - O Rei do Brasil é a prova desta afirmação, não apenas pelo que apresenta mas também por todas as confusões e acusações surgidas ao longo destes 20 anos de conturbada produção.

    Baseado no livro homônimo de Fernando Morais, o longa-metragem retrata vida e obra do magnata das comunicações Assis Chateaubriand (Marco Ricca, na melhor atuação da carreira). Cínico, debochado, mulherengo e extrovertido, Chatô era uma figura polêmica por natureza, não apenas pelos seus atos mas também por suas crenças. Fez fortuna e fama através de seus jornais, os Diários Associados, mas defendia com unhas e dentes que “anúncio é dinheiro, notícia é perfumaria”. Fundou a Rádio Tupi e depois a TV Tupi muito de olho no quanto poderia lucrar em cima de patrocinadores, se atendo à qualidade do material apenas como meio de justificar o custo dos comerciais. Investiu em arte, e ajudou a fundar o MASP, porque isto lhe ajudaria a alcançar o que mais queria: poder.

    Para narrar esta saga pelo poder, o diretor Guilherme Fontes construiu a vida de seu personagem principal a partir de um julgamento realizado na TV, no último dia de sua vida, em pleno horário nobre de domingo. Moribundo, o próprio Chatô vê desfilar diante de si pessoas importantes em sua trajetória, das amantes às esposas, dos parceiros de trabalho aos inimigos. Trata-se de uma proposta semelhante à do musical O Show Deve Continuar, dirigido por Bob Fosse, onde um diretor de cinema também mulherengo vê sua vida passar diante de seus olhos a partir de um enfarte. Só que, aqui, o julgamento traz requintes tipicamente brasileiros, com um mestre de cerimônias à imagem e semelhança de Chacrinha e muita, mas muita galhofa.

    A bem da verdade, a vida de Chatô foi tão intensa, com tantos acontecimentos marcantes, que poderia ser apresentada de várias formas no cinema. Fontes optou pela onírica, como se tudo fosse uma grande farsa, o que lhe permitiu abordar temas espinhosos sob o ângulo do humor. Surge daí uma das análises mais interessantes do filme: por mais que certas situações sejam propositalmente exageradas, o fundo de verdade ali existente é também um triste retrato do que foi e ainda é o Brasil. A manipulação escancarada da imprensa, e sua importância dentro de uma estrutura de poder, estão ainda presentes, fazendo com que o longa possua uma estranha atualidade com o contexto socio-político do país de hoje – o que é algo ainda mais surpreendente ao relembrar que as filmagens ocorreram há duas décadas! A sequência em que se tenta hastear a bandeira nacional em plena festa pela vitória de Getúlio Vargas nas eleições é emblemática: trata-se do país que não funciona, por mais que haja muita pompa em torno dele.

    Entretanto, é claro que Chatô também tem falhas. Por mais que a edição seja ágil e resolva várias questões conceituais do longa-metragem, ainda assim o filme sofre com a ausência de cenas de ligação entre tantas subtramas trazidas à tona. Em certos momentos personagens são abandonados para depois serem resgatados, sem qualquer explicação sobre o porquê. É claro que o lado onírico justifica tudo, dá à obra uma liberdade de ir e vir nas memórias de Chatô que facilita bastante a narrativa. Entretanto, a sensação de situações jogadas a esmo, por mais que sejam relevantes, provoca um certo cansaço em alguns momentos.

    Por outro lado, o grande temor de que a história soasse desconexa, vítima de tantos problemas nas filmagens, não acontece. Marco Ricca entrega um Chatô extremamente à vontade com seu jeito excêntrico de ser, afastando-se do lado sisudo tão comum em seus filmes. Paulo Betti é a caricatura de Getúlio Vargas, com um forte sotaque sulista, mas sua caracterização funciona bem diante da proposta exagerada do filme como um todo. Quem brilha é Andréa Beltrão como Vivi Sampaio, especialmente ao levantar questionamentos sobre o papel da mulher em um meio político dominado por homens, enquanto que Leandra Leal – bem nova – também se sai bem em um papel onde apenas fala espanhol.

    Bastante corajoso, tanto na abordagem de temas polêmicos quanto no próprio desenvolvimento da narrativa, Chatô é um filme com vários méritos. Um deles é o do risco assumido que fica bem nítido pelas escolhas de Fontes ao rodar diversas sequências do longa-metragem, como o programa “O Julgamento do Século”, a impactante cena em que Chatô surge vestido de jagunço e o próprio desfecho do longa-metragem, que une poder e sexo. É através do humor que o diretor busca uma espécie de raio X da própria sociedade brasileira, ao menos aquela que tanto almeja e se lambuza do poder, contando com o apoio da hábil fotografia de José Roberto Eliezer para criar esta ambientação ao mesmo tempo farsesca, mas com um pé (e meio) na realidade.

    Como dizia Tom, “o Brasil não é para iniciantes”. Chatô é a prova disto.

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