Fantasmas do sexo
por Francisco RussoÉ curioso o sucesso da franquia cinematográfica em torno de Cinquenta Tons de Cinza. Por mais que traga uma aura de ousadia e picardia, pela adoção do universo sadomasô na narrativa, o primeiro filme ao mesmo tempo se mostrava extremamente moralista, seja pela condução do romance envolvendo Christian Grey e Anastasia Steele ou pelo modo como as tão propaladas cenas de sexo foram rodadas, estéreis e sem química. Culpa, em parte, da escolha do casal principal, mas também pelas imposições existentes para que, na medida do possível, o longa-metragem fosse suavizado - ao menos em relação ao livro, bem mais explícito. O que, inevitavelmente, lhe deu uma cara de pornô soft.
Mais do que uma continuação, não é exagero dizer que Cinquenta Tons Mais Escuros seja quase uma recriação do longa original. Traz novos personagens, é verdade, mas todos são coadjuvantes que pouco importam à trama central. O filme, mais uma vez, se atém a desenvolver o romance entre Christian e Anastasia - e, mais do que nunca, romance é a palavra certa para definir o relacionamento existente entre eles. Após a negativa dela ao término de Cinquenta Tons de Cinza, Grey logo a procura feito um cordeirinho, louco para ter sua amada de volta, mesmo que para tanto precise abdicar de seu "passado sombrio".
Sombrio mesmo, como o início desta continuação logo relembra. A sequência do pesadelo de Grey é diretamente relacionada aos seus traumas de infância, culpando-os por ser do jeito que é - porque, segundo a cartilha puritana, alguém normal não pode ser afeito ao sadomasoquismo. Só que, agora, a dinâmica do casal muda. Menos ingênua que no primeiro longa, Anastasia possui um certo controle sobre o que quer do relacionamento. Da mesma forma, delimita as ousadias a serem adotadas entre quatro paredes, estabelecendo regras para o sempre autoritário Grey. Visualmente, tamanha perda de controle é representada pela barba sempre por fazer do jovem milionário - que, é impressionante!, jamais muda no decorrer dos vários dias aos quais se desenvolve a narrativa.
Diante deste fiapo de história, Cinquenta Tons Mais Escuros aposta firme (mais uma vez) no contraste entre o glamour da riqueza versus o sexo "sujo", "proibido", bem distante do convencional. Se agora ao menos Anastasia possui vontade própria, inclusive no prazer, pouco a pouco todos os elementos do filme original retornam como numa imensa novela - até mesmo o famoso Quarto Vermelho, importante dentro deste novo rearranjo amoroso. Com cenas de sexo assépticas e repletas de nudez calculada, por vezes impulsionadas pela iluminação às curvas dela, esta continuação acaba sendo ainda mais comportada que o original - seja pelo rumo da história ou pela própria direção, agora de James Foley (A Estranha Perfeita). A sensação de mais do mesmo é inevitável.
Em meio a tamanha enrolação cansativa, uma possível salvação (ou alento) poderia vir através dos novos personagens. Só que tanto Bella Heathcote quanto Kim Basinger e Eric Johnson têm participações esporádicas e tangenciais, sempre estereotipados e de pouca importância no filme como um todo. É como se fossem apresentados em Cinquenta Tons Mais Escuros para que apenas digam a que vieram no longa seguinte, Cinquenta Tons de Liberdade (já gravado e agendado para fevereiro de 2018). Enquanto isso, dá-lhe encheção de linguiça neste segundo filme, seja através das pífias tentativas de suspense ou na criação de sequências envolvendo tesão em locais públicos. Nenhum deles funciona.
Com diálogos sofríveis e cenas que provocam risos involuntários, Cinquenta Tons Mais Escuros consegue piorar o que já era ruim no filme original. Ao casal protagonista, Dakota Johnson e Jamie Dornan, não sobra muito a fazer além da exploração de seus corpos, já que o filme pouco lhes oferece dramaturgicamente. Resta aguardar se, ao menos no desfecho da trilogia, haverá algo diferente do conflito padrão dos dois primeiros filmes: Anastasia se assustando ao descobrir o mundo de Christian. Já passou da hora de virar o disco.