Amigos do bom humor
por Roberto CunhaExistem muitas maneiras de se abordar o preconceito e o cinema é um ótimo veículo para manifestações. A diferença está na maneira como a mensagem chega e como você se predispõe para comprar esse ou aquele barulho. Disposto a quebrar paradigmas e jogar tudo para o alto, o diretor, produtor, editor e roteirista Marcelo Galvão apresenta o premiado Colegas, uma aventura despretensiosa, protagonizada por um trio de atores portadores da Síndrome de Down. Se curtiu a ideia, siga em frente e sente só a viagem dos carinhas.
Os amigos Stallone (Ariel Goldenberg), Aninha (Rita Pook) e Márcio (Breno Viola) viviam em uma instituição com vários outros colegas também com a síndrome, mas um belo dia surge a ideia de fugir dali para realizar - cada um - o seu maior sonho: ver o mar, casar e voar, respectivamente. Juntos, eles roubam o carro do jardineiro e partem numa fuga desenfreada e delituosa, onde pequenos assaltos são apenas parte da grande aventura. Mas a polícia toma conhecimento dos fatos e para cortar o barato do trio de meliantes, coloca dois tiras estressados e trapalhões na cola deles. Ou seja, tem tudo para dar em nada.
Narrada por Lima Duarte (o jardineiro) com uma proposital levada de contador de histórias, a trama brincalhona coloca o tempo no liquidificador, misturando celulares, gírias velhas, veículos de épocas diferentes, e ainda doses cavalares de diálogos e referências visuais chupadas de filmes famosos. O resultado desse "milk-shake" atemporal, que não tem nada de batido, é uma grande homenagem ao cinema que pode fazer a cabeça da turma que adora identificar citações. Entre os muiiiitos títulos, Pulp Fiction, Taxi Driver, Blade Runner, Cães de Aluguel, Cidade de Deus, Psicose, Tropa de Elite, Thelma & Louise, tudo fruto da videoteca que os "novos bandidos" adoravam na tal instituição.
Pode ser que os mais exigentes encontrem um errinho de continuidade aqui ou cismem com um excesso de licença ali. Mas o conselho, caro colega, é se ligar nos bons momentos que são muitos, alguns deles dotados de rara poesia, como uma bela noite de amor, e outros de pura ação. Além da boa trilha original e das músicas do eterno maluco beleza Raul Seixas (tem "Asa Branca" em inglês!), é legal ver que este longa aborda a inclusão por um viés nada sentimentalista. Lúdico, mas sem abrir mão de um certo realismo, eventuais problemas na dicção sucumbem a cenas engraçadas, como um impagável interrogatório policial com toda a trupe do tal instituto. E é assim, sem máscaras, tirando sarro da deficiência com naturalidade, que ele convoca você a pensar que o igual pode ser apenas uma questão de ponto de vista. Afinal, quem é o diferente? Colegas é ousadia, é entretenimento e, acima de tudo, é uma convidativa comédia amiga do bom humor. Divirta-se!